donne moi ma chance
textos, poemas, ensaios e gostos de fernando machado silva
domingo, 17 de novembro de 2024
domingo, 22 de setembro de 2024
terça-feira, 17 de setembro de 2024
quinta-feira, 12 de setembro de 2024
Scherzo
para dizer a verdade nunca sei
contra todos os indícios
se dançam pela vida ou
para a morte
quando se encontram duas borboletas
terça-feira, 27 de agosto de 2024
pedras paus folhas
ele entra pelas águas
do lago cheio de inquietação
da viagem e o indefinido desejo
a pulsar no seu corpo de criança
respiga pelos trilhos
aos fundos de areias
quase brancas
pela passagem do tempo
da secura das ondas
arrepiadas pelo vento
pedras paus folhas
o segredo e mistério que portam
tocam o âmago da beleza e do amor
ao serem oferecidos sem o que esperar
pedras paus folhas
só a mim dirão da sua presença
no grande rio
da memória a enlamear-se ditando
a lenta aproximação da morte
quarta-feira, 21 de agosto de 2024
O teu é o primeiro nome
o teu é o primeiro nome
que me vem à boca ainda a aurora
mal pôs os seus dedos róseos
a cintilar o suor da noite o primeiro
é o teu corpo que me conhece
o terror dos sonhos e o delírio
do coração vígil chorei
ao ter da verdade a claridade de seres
tu a vida perdida a caminho de nunca
teres existido como a história
o teu nome o teu corpo a tua memória
alguém cria silêncios para nós
quinta-feira, 15 de agosto de 2024
Não damos mais as mãos
não damos mais as mãos
de permeio intrometeu-se um pequeno mundo
os nós que a vida teima em dar
também os lábios gelaram com o deserto
de beijos movem-se assombrados
com palavras escuras mas rasgam-se
com a luz dos gestos da criança
os olhos refugiaram-se na atenção dos horrores
na displicência de um cansaço
difícil de lavar
e trama a impaciência
anoitece entretanto o outono
entra pela paixão a secura
pelos campos
e como um aroma esquecido numa gaveta cheia
de linhos acende-se um passado
vem à beira-mar dos corpos
uma onda reencontrar o que nunca à partida esteve perdido
terça-feira, 6 de agosto de 2024
O jardim
este caos vive eu não lhe toco
outros servem-se da esquadria
para os fazerem seus
eu pertenço-lhe quando em si
entro como as ervas daninhas
e as que ignoro
o nome pertenço-lhe
como as papoilas e as estrelas
da Pérsia
o ácer japonês a oliveira
a alfazema a hortelã a sálvia
os animais na sua diversidade
pertenço a este silêncio do labor da vida
não falo escuto apenas o tempo a encarquilhar
as folhas a queda a luz recortada
pela escuridão do meu corpo este caos
está por dentro e não lhe toco
não se toca numa vida nem se a tem
eu entro nesse jardim onde elas estão
deitadas ao sol e junto-me emudecido
no silêncio de uma vida
domingo, 4 de agosto de 2024
terça-feira, 30 de julho de 2024
depois de canoagem de JMM
hoje sei-me só no corpo vulnerável (que fracassa)
sei-me longe do sangue que filia
dos prados das montanhas
sei-me só junto ao fel da navalha e da ruína
das estátuas deitadas no musgo
dos cancros nos troncos podres caídos pelo vento
como uma cidade adormecida assombra-me um silêncio
entre a boca e o peito desde o primeiro ar sorvido
fecho os olhos à beira dos rios onde a luz se irisa
para acolher o mensageiro de um sonho
sei-me só
num sussurro o mundo uma lacuna
o tempo sem onde cair morto nas mãos
a dar nome à poeira
nos lábios junto ao sabat da sua nuca
espero notícias sobre quem vem de sem onde
habito os castelos de núvens para saber
um pouco mais o sabor da queda
sei-me só à beira da fogueira que vela
a última luz sob a cinza
um inverno livra-me de ti e de mim
debaixo da neve do gelo da madeira
queimada a alimentar a desilusão
sei-me só
se desaparecer quem nos amou como sobrevivemos ainda
quarta-feira, 24 de julho de 2024
Wie kriege ich mein Lachen zurück?
foi-te roubada a inocência
uma mão sobre a tua boca depois do anjo
ter selado os teus lábios
uma mão na tua alheando-te
os passos
mostrando o seu mundo tirando
a cada vez um pouco mais de ti
és tu e não és mais tu
saído dessa casa
a que queres volver e deixas
escrito na coluna a pergunta
como posso voltar
a ter o meu riso
na tua língua o retorno é um confronto
guerreia-se sem mérito para se ter
nada
como volta para os teus lábios
um riso depois da violência
uma inocência desfigurada
um esgar traça a entrada num outro
tempo
mas como o segredo da semente
na árvore e da árvore
na semente prometo-te
sem luta vem um riso
sem luta vem um sorriso
terça-feira, 9 de julho de 2024
segunda-feira, 1 de julho de 2024
Fausto - Lembra-me um sonho lindo
obrigado, pelo menos, por esta música
Lembra-me um sonho lindo
Quase acabado
Lembra-me um céu aberto
Outro fechado
Estala-me a veia em sangue
Estrangulada
Estoira num peito um grito
À desfilada
Canta rouxinol canta
Não me dês penas
Cresce girassol cresce
Entre açucenas
Afaga-me o corpo todo
Se te pertenço
Rasga-me o vento ardendo
Em fumos de incenso
Lembra-me um sonho lindo
Quase acabado
Lembra-me um céu aberto
Outro fechado
Estala-me a veia em sangue
Estrangulada
Estoira num peito um grito
À desfilada
Ai como eu te quero
Ai de madrugada
Ai alma da terra
Ai linda, assim deitada
Ai como eu te amo
Ai tão sossegada
Ai beijo-te o corpo
Ai seara, tão desejada
Canta rouxinol canta
Não me dês penas
Cresce girassol cresce
Entre açucenas
Afaga-me o corpo todo
Se te pertenço
Rasga-me o vento ardendo
Em fumos de incenso
Ai como eu te quero
Ai na madrugada
Ai alma da terra
Ai linda assim deitada
Ai como eu te amo
Ai tão sossegada
Ai beijo-te o corpo
Ai seara, tão desejada
Ai como eu te quero
Ai na madrugada
Ai alma da terra
Ai linda assim deitada
Ai como eu te amo
Ai tão sossegada
Ai beijo-te o corpo
Ai seara, tão desejada
Ai como eu te quero
Ai na madrugada
Ai alma da terra
Ai linda assim deitada
Ai como eu te amo
Ai tão sossegada
Ai beijo-te o corpo
Ai seara, tão desejada
Ai como eu te quero
Ai na madrugada
Ai alma da terra
Ai linda assim deitada
domingo, 16 de junho de 2024
primavera
a tília abriu-se
juntou-se às noites
de jasmim e sabugueiro
e o lírio
d’água saiu
do seu sonho de lama
os gansos voltaram das suas estâncias
as searas fartas sangram o seu ópio
e por todo o lado as gargantas melodiam
o inalcançado por Messiaen
os céus de Friedrich fecham-se com volúpia
enegrecem o rio e o olhar que por ele entra
a cicatriz de luz
corre a redoma que nos protege
é isto afinal a primavera
a beleza aterrorizando o corpo
domingo, 19 de maio de 2024
pega em dois seixos
pega em dois seixos
entre os dedos suavizados
pelas águas do rio
bate um contra o outro
chama os pássaros
pede-lhes que cantem mais
alto que os gritos deste mundo
consolem o choro das mães
depois deita-te junto às margens
coloca essas pedras sobre os teus olhos
deixa-te ir num vento que traga
o aroma de terra seca
a ausência de um amigo
quarta-feira, 15 de maio de 2024
nunca esteve comigo
nunca esteve comigo mas sinto
o peso atroz e dorido do seu abandono
permaneço hoje quase sempre calado
de olhar
absorto no espaço
entre as águas e o céu
não irei longe nem tenho onde ficar
não me foram permitidas raízes
nem o canto nas madrugadas
sinto a sua ausência
na ponta dos dedos eu que quis uma casa
na língua
quinta-feira, 25 de abril de 2024
sonhei que seria um dia
sonhei que seria um dia
escritor separei a prosa
da poesia sonhei coisas terríveis
dedos invisíveis
a tocarem os corações
dos leitores sei que foi
um sonho
tantos anos acordado sufocado pelas coisas
terríveis e os seus dedos em redor
do meu coração quando desvanecer
a desilusão
terei de sonhar
um dia
que haverão leitores
e nenhuma separação
domingo, 21 de abril de 2024
looking at a dictionary
he gazes at the book
it lies in between
things keeping words that are
true under the window
where the light of day falls
on tenderly weakly a man
with a short grey beard stares at
a blank page hiding
a slightly dormant stress
we stand so far apart (I guess)
from understanding what it all means
terça-feira, 27 de fevereiro de 2024
Quem ama corre
quem ama corre
o risco de esquecer
o seu nome habita um vento
que se torna tempestade e
sombra
onde não se escuta
mais o silêncio
que outrora se diria casa
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024
i'm not meant to be (original em inglês)
I’m not meant to be
loved. the flowers scent no death
nor evil when you lay to
sleep. dream then of distant roots
unravelled through thoughts like stones
falling carelessly on ponds
which can hold
you. for I’m not to be
found among shattered mirrors
nor grown in your absence
unless you heartfeltly greet
my shadow
sexta-feira, 26 de janeiro de 2024
terça-feira, 19 de dezembro de 2023
estamos cansados
estamos cansados e ainda
assim a beleza revela
o seu escondido e secreto
rosto
caminhamos de mãos dadas com o futuro
no seu passo curioso
com voz de corvo chamamos-te
com garganta de cobre cheia de ferrugem chamamos
pela tua proximidade
com o castanho das árvores e lama
olhamos fundo o encontro
dos olhos
conhecemos o pó das tuas mãos
que nos ampara na esperança
que para nós rouba a cinza
da noite
para que possamos dormir melhor
conhecemos o pó e a cinza
do teu nome e sonhos mas
não nos conhecemos mais
o cansaço deixa-nos cegos
(tradução do original em alemão)
quarta-feira, 6 de dezembro de 2023
quando me chama por esse nome
quando me chama o coração
festeja como uma figueira farta
o arroxear dos seus figos
também eu os chamei que árvores
serão meu pai e minha mãe
quando ainda os nomeio o que rebenta
traz a minha voz água
tem o meu beijo terra
o que há a podar para ser
o seu exemplo
traz a minha voz terra
tem o meu beijo água
sexta-feira, 17 de novembro de 2023
Longo cai o crepúsculo
longo cai o crepúsculo
e partem gansos para longe
macula-se a vista
de indiferença a luz não se abre
entre as sombras
nada se recorta
do fundo na hora mais clara
do anonimato
um coração apazigua a sua sordidez e dá-se
para a comunidade dos que estão sós
como penhascos numa tempestade
o escuro avança
contra o corpo
as andorinhas e os morcegos trocam os seus turnos
o pinheiro enegrece junto ao trevo
e a terra
distila o silêncio que te faz
nome
longo cai o crepúsculo
e a torrente da memória engolfa
o caminho é quando as decisões
dão
ares de juiz e algoz
e este ganso
estaca o passo pelo campo
e pergunta pelo fio do rumo
(os dois primeiros versos são retirados, com uma ligeira alteração, de um poema de José Manuel Teixeira da Silva. é-lhe assim, este poema, dedicado)
sábado, 11 de novembro de 2023
Senzenina
as ruas estão vazias menos da vida
ignorada que grassa com a
aurora antes do bulício
do mundo cego
ela vai e vem
com inquieta prudência
recolhe os restos
o que é que nós fizemos
o nosso único pecado é não sermos tu
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