só posso assim descrever como a luz
do dia se abeirava do meu rosto
num bafo morno com a doçura
do seu focinho negro e
do seu olhar castanho
inclinados sobre mim
o seu amor
não há outro modo
de se dizer o seu
amor
da ponta da sua cauda ao seu olhar
vibrava e abanava com delicadeza
as manhãs vinham docemente de veludo escuro
sinto falta dessas manhãs negras
hoje o sol quebra o horizonte
sem o esplendor do seu beijo
a manhã escorre pelo soalho por imitação
onde está a graciosidade do salto para o sofá
a pressa sôfrega de nos guiar
por todos os caminhos
e os da nossa casa
o ranger da cama de verga soa
à sua ausência que entra
pelos nossos corações adentro
memória e ausência compõem
a triste música dos nossos dias
e eu quero-me surdo
prefiro o esquecimento
para que não me visite
a dor
eu não quero saber das vítimas de guerras
é já tempo de parar com a idiotice
eu não quero saber
ela morreu ela que tudo desculpou
até quando me ocupava com as ninharias da vida
e não a via estando ao meu lado
desculpou até ao último suspiro
ela morreu só e os meus braços ficaram no limiar de a ter junto a mim
ela morreu só e não pude mentir
e dizer que tudo estava bem
até já porque havia a esperança
e não a posso mais cheirar
ela morreu só e eu acompanho-a
até ao meu instante
imerso na solidão