sábado, 26 de abril de 2025

um adeus à serra

as manhãs vinham com ela

só posso assim descrever como a luz
do dia se abeirava do meu rosto
num bafo morno com a doçura
do seu focinho negro e
do seu olhar castanho
inclinados sobre mim

o seu amor
não há outro modo
de se dizer o seu
amor
da ponta da sua cauda ao seu olhar
vibrava e abanava com delicadeza

as manhãs vinham docemente de veludo escuro

sinto falta dessas manhãs negras
hoje o sol quebra o horizonte
sem o esplendor do seu beijo
a manhã escorre pelo soalho por imitação

onde está a graciosidade do salto para o sofá 
a pressa sôfrega de nos guiar
por todos os caminhos
e os da nossa casa

o ranger da cama de verga soa
à sua ausência que entra
pelos nossos corações adentro

memória e ausência compõem
a triste música dos nossos dias
e eu quero-me surdo
prefiro o esquecimento
para que não me visite
a dor

eu não quero saber das vítimas de guerras
é já tempo de parar com a idiotice
eu não quero saber
ela morreu             ela que tudo desculpou
até quando me ocupava com as ninharias da vida
e não a via estando ao meu lado
desculpou até ao último suspiro
ela morreu só e os meus braços ficaram no limiar de a ter junto a mim
ela morreu só e não pude mentir
e dizer que tudo estava bem
até já porque havia a esperança
e não a posso mais cheirar

ela morreu só e eu acompanho-a
até ao meu instante
imerso na solidão

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