sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Galway Kinnell - A CABELEIRA RALA À LUA DA PEQUENA DORMINHOCA (fim)


5

Se num dia acontecer
tu te encontres com alguém que amas
num café num dos fins
da Pont Mirabeau, no bar de zinco
onde o vinho branco fica em copos de abertura para cima,

e se cometeres, como nós o fizemos, o erro
de pensar,
um dia tudo isto será apenas uma memória,

aprende,
enquanto permaneces,
nesse fim da ponte que se arqueia,
do amor, tu pensas, para um duradouro amor,
aprende a chegar mais fundo
até às mágoas
a vir – a tocar
os ossos quase imaginários
sob a face, a ouvir sob o riso
o grito do vento ao longo das pedras negras. Beija
a boca
que te diz, aqui,
aqui é o mundo. Esta boca. Este riso. Estes ossos temporais.

A cadência ainda não dançada do desaparecimento.


6

Na luz a lua
reenvia, vejo-o nos teus olhos

a mão que uma vez acenou
nos olhos do meu pai, um pequeno papagaio
oscilando nas alturas no crepúsculo do seu último olhar:

e o anjo
de todas as coisas mortais larga o fio.


7

Volta agora, para o teu berço.

O último melro ilumina as suas asas douradas: adeus.
Os teus olhos fecham-se dentro da tua cabeça,
em sono. Já
as horas começam a cantar nos teus sonhos.

Cabeleira rala à luz da lua da pequena dorminhoca,
quando voltar
sairemos juntos,
caminharemos juntos por entre
as dez mil coisas,
cada uma rabiscada demasiado tarde com tanta sabedoria, o tributo
de morrer é o amor.


in Galway Kinnell, The Book of Nightmares, Boston & New York, Houghton Mifflin Company, 1971: 51-53.

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