Nesse dia no Golden Gate Park
um homem e a sua esposa estavam vindo
pelo enorme prado
que era o prado do mundo
ele usava suspensórios verdes
e trazia numa mão uma velha flauta a cair aos pedaços
enquanto a sua esposa tinha um cacho de uvas
que ia dando individualmente
a vários esquilos
como se cada uma
fosse uma pequena piada
E depois os dois seguiram
pelo enorme prado
que era o prado do mundo
e depois
num sítio muito quieto onde as árvores sonhavam
e pareciam ter estado à espera desde sempre
por eles
sentaram-se juntos na relva
sem se olharem
e comeram laranjas
sem se olharem
e puseram as cascas
num cesto que parece
terem trazido para esse propósito
sem se olharem
E depois
ele despiu a sua camisa e camisola interior
mas deixou posto o seu chapéu
de lado
e sem nada dizer
adormeceu debaixo do chapéu
E a sua esposa ali estava sentada a observar
os pássaros que voavam por aí
chamando uns pelos outros
no ar parado
como se questionassem a existência
ou a tentar lembrar qualquer coisa esquecida
Mas finalmente depois
também ela se estendeu
e deixou-se estar a olhar para nada
porém a dedilhar a velha flauta
que ninguém tocava
e finalmente olhou
para ele
sem qualquer expressão em particular
excepto um certo olhar
de terrível depressão
in Lawrence Ferlinghetti, A Coney Island of the Mind, New York, New Directions, s.d. (1958): 20-21.
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