segunda-feira, 23 de julho de 2018

a escrita entre estações

no ar destas estações escorre álcool
e óleo         em teu redor riem
                                              aborrecidos os espectadores do mundo
virtual
há sempre alguém diz o suspiro de alívio
em pior situação         eis o progresso
no séc.xxi        bancos cheios
excepto aquele do casal homossexual
em terna adoração
falando e cofiando o cabelo
em limitada privacidade pelo canto
do olho vigiada e depois agredidos ao juntarem-se
à turba-multa que retorna aos lares periféricos

como passa lento para os passageiros o tempo
afundados em lixo de comida rápida
beatas garrafas e latas            sós
e tão próximos pela imagem
da mesmidade dos cabelos
aos pés e os comboios seguem
ronronando dentro do horário
agora que a plataforma se esvaziou do aglomerado

bêbedo         o vagão de transporte chega
de arrasto chiando um grito de desespero
como se a própria terra abri-se a sua goela
exclamando já chega sou já pouca terra
até os mares se enchem de nenhuma vida
e num pacífico se forma um continente
de plástico         o pulmão aperta-se

na mão         seguro um exemplar desse
novo mundo de polímero
escrevo sobranceiro         talvez
seja pior que toda esta multidão
junta            repara             o teu polegar
é ainda pré-histórico os teus olhos
por trás dos óculos de míope são já
digitais embora igualmente preso
ao acontecimento deste instante

aguardo passagem pela europa
apenas permitida por ser um mediano
homem-branco-heterossexual-de-estatura-média
mas já olhado de soslaio como o casal
pela indefinição de nenhum traço contemporâneo
a pele livre às cicatrizes acidentais
os buracos para os sentidos             estrangeiro
ao tempo ancorado no passado como um veleiro à doca

dando lustre à história de perna cruzada
onde assentam um livro as páginas
pautadas da direcção e estrutura deste
poema         a pena de tinta e as dores suspensas
no ar de olhar perdido no vazio das três
da manhã numa estação de comboio alemã

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