enquanto caminhava entre dois desertos – o da minha ruína com os seus fantasmas, o das cidades e países que me acolhiam, em nada se diferenciando do meu bulício interior – perguntava: haverá ainda onde pôr a cabeça? como aceder ao segredo de uma morada? haverá decerto, um dia, uma casa com as suas paredes erguidas para o pensar, os objectos que ajudam a esquecer a ausência de que os ofereceu, onde se possa aprender a ordem dos dias e das noites, o canto das aves que inauguram as manhãs. por onde se acede a esse segredo? olhas as portas, reconheces a sua origem e a história dos olhos que ela encerra; escutas as janelas e a escolha do mundo que entra pelos orifícios do corpo, acaricias a música dos pés na pedra e na tábua cansada. é já uma casa uma morada a partir da nossa presença, ou é a morada uma relação entre uma vida e um espaço que a abriga? eis o segredo: um intervalo que celebra a traição.
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