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Para terminar, se
Jesus diz que parte «em direcção ao Pai», isso significa que ele
parte,1
absolutamente: o «pai» (com ou sem maiúscula: o grego não a
prescreve aqui) não é outro senão o ausente, o arreigado
(retranché),
precisamente o oposto a «meus irmãos», os presentes, aqueles que a
mulher pode e deve ir procurar. Ele parte para o ausente, para o
remoto: ele ausenta-se, ele acosta nessa dimensão de onde só provém
a glória,2
ou seja o brilho maior que a presença, a radiação de um excesso
sobre o dado, o disponível, o deposto. Se ele pôde dizer: «Quem me
viu, viu o Pai», este último não é pois nem um outro nem algures,
mas é, aqui e agora, aquele que não se vê e contudo brilha, aquele
que não se encontra na luz mas por trás dela. É porque esta glória
brilha apenas na medida em que é recebida e transmitida: «Nós os
quais, de rosto desvelado, reflectimos a glória do Senhor, nós
somos transfigurados nessa mesma imagem, de glória em glória, como
pelo espírito do Senhor.»3
A ressurreição não
é um retorno à vida. Ela é a glória no seio da morte: uma glória
obscura na qual a iluminação se confunde com a treva do túmulo. No
lugar do contínuo da vida passando à morte, trata-se do descontínuo
de uma outra vida na ou da morte. Se Jesus disse, no episódio de
Lázaro: «Eu sou a ressurreição»,4
ele significava bem com isso que a ressurreição não é um processo
de regeneração (semelhante àquele das mitologias como as de Osíris
ou de Diónisos), mas que ela consiste ou melhor que tem lugar na
relação com aquele que diz: «Eu sou a ressurreição.» O que
segue no versículo declara: «Quem confia em mim, esteja ele morto,
viverá.» Confiar nele, ser, pois, na fé, não é crer que possa
haver regeneração do cadáver: é assegurar-se com firmeza na
confiança de um lugar antes da morte (c’est
se tenir avec fermeté dans l’assurance d’une ténue devant la
mort).
Esse «lugar» (tenue)
realiza propriamente a anastasis,
a «ressurreição», ou seja o levantamento (relèvement)
ou a elevação («insurreição» é igualmente um sentido possível
do termo grego).5
Nem regeneração, nem reanimação, nem palingénese, nem
renascimento, nem revivescência, nem reencarnação: mas a elevação
(soulèvement),
mas a ascensão6
(la
levée)
ou bem o levantar7
(le
lever)
enquanto verticalidade perpendicular à horizontalidade do túmulo –
não o deixando, não o reduzindo ao nada, mas afirmando nele o lugar
(tenue)
(como também a guarda (retenue))
de um intocável, de um inacessível.
Esta leveza8
(levée)
não é um «render»9
(relève)
no sentido dado a essa palavra por Derrida para traduzir o Aufhebung
hegeliano: ela não transporta a vida suprimida à potência de uma
vida superior. Ela não dialectiza nem mediatiza a morte: ela eleva
(y
fait lever)
a verdade de uma vida, de toda uma vida enquanto mortal e de cada
vida enquanto singular. Verdade vertical, incomensurável na ordem
horizontal na qual a vida morta se decompõe em pedaços de matéria.
Incomensurável igualmente a toda a representação de uma passagem
de uma vida a outra: com a ressurreição, não existem mais mortos
que vivam num reino das sombras, não mais almas penadas errando
próximo de um Letes.10
No episódio de
Lázaro, o morto sai do túmulo ligado nas suas ligaduras e envolto
na mortalha: não é uma cena de um filme fantástico, é uma
parábola da leveza recta no seio da morte. Não uma erecção –
nem em sentido fálico, nem em sentido monumental, embora esses dois
sentidos possam ser tomados e trabalhados neste contexto – mas um
ter-se-de-pé frente à e na morte. Qualquer coisa entra em
consonância aqui com o heroísmo trágico do «morrer de pé»,11
com a vida que se mantém na morte do espírito hegeliano.12
A diferença que se introduz contudo – uma diferença
estreitíssima, difícil de discernir – é que a anastasis
não é ou não provém de si, do próprio sujeito, mas do outro: ela
chega a ele pelo outro, ou melhor ela rende (relève)
o outro nele. É o outro que se ergue e ressuscita em mim morto. É o
outro que ressuscita por mim, muito mais que me ressuscita. Noutros
termos então: «eu estou ressuscitado» não significa uma acção
que realizei, mas uma passividade sofrida ou recebida. «Eu estou
morto» (a frase impossível) e «eu estou ressuscitado» dizem a
mesma coisa, a mesma passividade e a mesma paixão, como se dizer «eu
estou morto» fosse preciso ser «ressuscitado» como pretende a
representação de uma religião para os prodígios naturais. Mas a
coincidência de dois enunciados testemunham a impossibilidade que a
morte, tão pouco como a vida, seja simplesmente idêntica a si-mesma
e contemporânea de si: nem morto, nem vivo, simplesmente um
presente.13
Mas sempre uma apresentação de um ao outro, em direcção ao outro
ou no outro: a apresentação de uma partida.
Numa palavra: dois
sentidos tornados inextricáveis da nossa expressão a
leveza/elevação (levée) do corpo.14
1
Em itálico no original (N.T.).
2
Em itálico no original (N.T.).
3
Paulo, 2 Co 3, 18.
4
João 11,25. Certos manuscritos acrescentam «e a vida» (ego
eimi hè anastasis kai hè zôé).
5
O termo hebraico qûm, que indica a leveza (la levée)
ou o levantamento (relèvement), figura nos textos onde se
anuncia um pensamento judeu da «ressurreição», e é dele que
veio o uso da palavra anastasis bem como do verbo egeirô,
de sentido vizinho.
6
Em itálico no original (N.T.).
7
Em itálico no original (N.T.).
8
Em itálico no original (N.T.).
9
Impossível de manter aqui o jogo de aliteração tão comum entre
os desconstrucionistas.
10
A comparação de um ressuscitado a um «espectro» encontra-se
ocasionalmente em certos textos apócrifos (p. ex. A Epístola
aos apóstolos, 11), embora rara, e ausenta-se do corpo
canónico.
11
Não se trata da solitária imagética da bravura guerreira, mas do
facto que a morte trágica é sempre uma morte primeira, ou seja
violenta e não chegando ao fim de um processo mórbido: o homem é
atingido ou atinge-se, a mulher enforca-se. É preciso lembrar?
Antígona é uma prisioneira viva, primeiramente, com Hémnon, na
caverna que se deverá tornar seu túmulo, e é enforcada que será
encontrada por Creonte voltando atrás demasiado tarde na sua
condenação.
12
«A vida do espírito não é a vida que se assusta frente à morte
e se preserva pura da decrepitude, é pelo contrário aquela que a
suporta e nela se conserva» (Fenomenologia do Espírito …)).
13
Em itálico no original (N.T.).
14
Em itálico no original (N.T.).
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