quarta-feira, 4 de novembro de 2015

um naufrágio nocturno

cais de rasto num conforto
é um arrasto do corpo na imensa secura que te ampara
e afogas-te na noite
no seu som que primeiro te precipita numa queda de analogias
de vigil sonho no ofício dos emparelhamentos imprevistos
que te penetra pela concha do ouvido
e depois te leva aos campos soníferos

é uma gigantesca sereia que te canta
a noite
e a tua escuta apura:
a sua respiração
o chiar das molas do colchão
comprimindo e anuviando com a tua própria inspiração e expiração

- essa outra esponjosa mola do sopro
fole de que fogo que da sua dança ferve o corpo -

a chuva pelas goteiras improvisadas deste outono

esses os materiais do navio que és tu como também a sua carga

ao fechares os olhos foi como um retorno à praia da ribeira do cavalo
onde ambos entraram na rebentação de outubro
nus

- como adão e eva
disse ela
como dois deuses gregos
disseste
(como a cultura nos dá uma roupa que nos veste
encobrindo a graça que nos cobre):
como nós dois nus
deveríamos ter dito
afirmando ainda a beleza do mundo
a qual é simultaneamente uma cegueira auto-infligida
(este não é o mar egeu) -

e o coração sobressalta-se porque desconhece o sal
e as tuas feridas são hoje lambidas maternalmente pelos cães

em lado algum entraste senão no espaço que te molda
dos lençóis e tudo se sintonizou e tão perto pudeste ouvir
o rebate das ondas
o ranger da madeira
secando e apodrecendo-se pelo furor dos elementos
e o ambiente líquido envolvendo tudo onde não estás
até te perderes nas trevas
na cortina sonora que perfaz a música
de fundo dos teus impartilhados filmes
justo ao despontar da manhã
que os silencia e com a sua luz os mergulha
no esquecimento

quando abres os olhos
novamente respiras
estás vivo até ao próximo naufrágio

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