eu perdi os meus dentes no altar dos sacrifícios humanos
e agora por esta boca sopra o vento nocturno que sobra à noite
o eco das suas palavras ressalta contra os mosaicos raiados pelo luar
e todas as coisas são velhas todas as coisas levam uma mão à boca
como eu para sufocar um grito de espanto ou uma confidência inoportuna
naquela noite vi-me a caminhar na direcção da casa
impelida pelo mistério que às vezes se parece com o vento
e na felicidade possível que se escondia sob as crostas da sujidade daquela casa
soube então o que soube e uma alegria frágil trémula instalou-se nos meus dias
e desde aquele dia dormir converteu-se num vício
depois acordei pensei eu sou a recordação
por isso baptizei a minha perna direita com o nome de vontade
e a minha perna esquerda com o nome de necessidade
e aguentei
parei no alto do vale e sentei-me no chão
não sabia o que ia ser da minha vida
respirei
entardecia
vi um pardal num ramo
vi um quetzal
os dois pássaros empoleirados sobre o mesmo ramo
só então me apercebi do enorme silêncio que se abatia sobre o vale
depois olhei para o abismo
o ramo estava vazio
a partir de Amuleto de Roberto Bolaño
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