sexta-feira, 8 de maio de 2015

a decisão (xiii)

          «Quando pedes um conselho, que tipo de resposta estás realmente à espera? Não te parece tudo uma parvoíce, justamente aquilo que não queres fazer ou que te parece como não sendo a resposta certa, a acção adequada? E porquê uma parvoíce? Porque a resposta certa é justamente o que querias ouvir? Ou porque te parece óbvia? Que outra razão senão esta: tu já sabias, tu já estavas decidido, ninguém te indicou o caminho; ou então sim, deram-te a mão e a quatro ou mais mãos, como uma equipa de salvamento, tu e a outra, ou as outras pessoas levantaram pedra a pedra o chão caído até a decisão se fazer ouvir claramente, quase cristalinamente o que para ti já estava tido como certo ─ por vezes é também aquilo que não queres ouvir o que está certo, ou é a decisão correcta, por isso tu acrescentas mais escombros ao molho, ao monte, procuras abafar a voz que murmura lá do fundo ─ mas, pensas tu, se partilhares o caminho que te conduzirá à decisão talvez não seja a que ressoa em ti, talvez venha afirmá-la e assim salvaguardas o teu raciocínio porque, pensas tu ainda, se duas pessoas chegam ao mesmo ponto como podem estar erradas? Se fores só tu a decidir, que provas tens da tua conduta: foi boa, acertada, ou má, errada? E o erro não poderá ainda residir aí, uma espécie de cego conduzindo um cego (que péssimo pensamento, como se eles não encontrassem os seus caminhos certos, acertados e bons!)?
          «Talvez a questão seja somente e mesmo essa: porque pedes conselho? O problema não é que não possas ou não consigas decidir ou decidir-te, porque continuamente, dia a dia, hora a hora, a todo o instante, quer te dês conta ou não, fazes decisões. Porém, algumas situações não se te assemelham como problemáticas, são banais, corriqueiras e qualquer pressuposto moral parece tão ínfimo ou nulo, completamente arredado da situação, que a decisão nem se parece com uma decisão. Tudo se parece mais com uma escolha cujo resultado nem é ou está certo ou errado, simplesmente é, ou seja, nada de ti está implicado, não há nenhum comprometimento, nada realmente do teu mundo muda ou se vê comprometido com essa escolha, por essa escolha, que é, quer queiras quer não, uma decisão. Todavia, essa, essa a que recorres a conselho, a qual fazes o apelo, porque lo fazes? Já pensaste nisso? Já procuraste a sua razão, seriamente? Não? Então deixa-me dizer o que penso e porque creio ser esse o problema de toda a decisão que não se te afigura como uma escolha e, no entanto, antes do apelo já a tens como certa. Esta decisão, que não é uma mera escolha, não o é porque sentes que ela implica muito mais de ti. Se a escolha te é banal porque nada nela implica um gesto moral, a tua vida não sofrerá grandes consequências com a escolha, não há compromisso nem transformação radical, ou seja, uma mudança quase nula, infinitamente pequena – e, todavia, essa escolha infinitamente pequena, banal, corriqueira, sem interesse ou tomada desinteressadamente pode mudar a tua vida –, não afectando quase rigorosamente nada, essa escolha não se pode comparar com o infinitamente grande da decisão que te tira o chão sob os teus pés. O problema da decisão, de uma decisão como esta, pedindo, apelando conselho, ou ajuda, buscando conforto nesta breve incursão no que é, ou do que é problemático, é que, como já avancei, implica vários aspectos que te incomodam, te são um desconforto, senão mesmo um fardo. Antes de mais esse enorme peso sobre os teus ombros, a responsabilidade de se ter uma consciência! Porque julgas que cais quando o chão te escapa sob os teus pés senão porque uma consciência te pesa sobre os teus ombros? Se não pensasses não terias peso! Que fardo, não é? Sempre a pesar, a pensar, a mudar de ponto de vista, ora vendo daqui, ora dali. Pesamos, sopesamos, pensamos, repensamos, andamos às voltas e voltas à procura da melhor resposta possível, a certa, a adequada, desconhecendo se tal coisa existe.

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