quinta-feira, 7 de maio de 2015

a decisão (xii)

          «Como te dizia, eu sou esta vida impossível de separar e esta vida movimenta-se entre uma pessoalização ─ torno-a minha e preencho-a com o que se pode chamar uma história; ela é um labirinto, esta história; o seu sentido é inatendido, eu não sei qual é o meu sentido, mas faço-o, o meu sentido, o sentido da minha história ou da minha vida vai sendo feito, com erros e quedas, coisas acertadas e certezas realizadas, sem relações entre acontecimentos; é um labirinto que qualquer um pode percorrer, encontrar a sua entrada e criar a sua saída ─ e uma impessoalização, quando consigo suspender por breves horas todo e qualquer julgamento de valor. Esses são os momentos mais belos e intensos que alguma vez vivi. Há como que uma electricidade que me percorre e todas as minhas sensações são elevadas a uma potência que nunca suspeitei experienciar. Nesses momentos este rosto cadavérico esboça o que se poderia chamar um sorriso, abrem-se umas fendas, a pele estira-se e linhas geográficas, meandros de um rio interior, aprofundam-se e dou conta então do facto que não sou mais nem menos, não valho mais nem menos, que uma pedra, árvore ou um qualquer animal. Perco o meu nome, não sou mais uma identidade, sou uma hora num relógio que não mede o tempo canónico, ou crónico. Não sou do tempo civil mas de outro tempo; mas, lá está, são breves momentos, umas pouquíssimas horas de alguma coisa que acontece a mim e que faz com que esse mim desapareça... e de volta à questão: tudo o que digo, penso, procuro articular neste momento para te dar uma resposta à tua pergunta, para formular o conselho que me pedes, solicitas, só o posso realizar a partir do lugar dessa vida pessoalizada.
          «O que quero dizer é isto: do ponto de vista da neutralidade de uma vida de modo algum poderei pôr-me no teu lugar ou ser tu mesmo na situação que se dará, porque tu és uma expressão irrepetível e singular da Vida; do ponto de vista da vida da pessoalização também não posso nem poderei alguma vez seguir à letra essas duas aberrantes e paradoxais frases. Porquê? Ora, estar no teu lugar e ser tu, como já vimos, dizem a mesma coisa, vão no mesmo sentido, pelo que se assumisse literalmente o compromisso dessas frases, por um lado, apresentava-me perante ti como exemplo a seguir declarando simultaneamente que a tua vida e o teu pensamento nada valem pois são o meu e a minha que deverias imitar como um catecismo, mas, por outro lado, se eu fosse a tua pessoa ─ devo continuar ou para bom entendedor meia palavra basta? ─ ora, se eu fosse a tua pessoa eu carregaria a tua história, seria a tua vida pessoalizada, a tua metáfora, o transporte do teu sentido produzido e a produzir, faria a mesma escolha, a mesma decisão que tu já previamente tomaste a caminho do nosso encontro, porque na verdade ─ e tu bem-lo sabes, escutas a decisão, a sua melopeia ou os seus gritos abafados como um sobrevivente de uma derrocada pedindo socorro; e não será isso, afinal, uma decisão? A escavação de um sobrevivente que clama por ti, para que o salves? A decisão vem quando nos tiram os pés do chão, ou como é a expressão... escapa-nos o chão sob os nossos pés e a decisão parece então como que a separação dos escombros, o isolar da ganga o ouro. Julgas pesar todos os elementos da equação, mas, na verdade, mal te escapa o chão e te preparas para o raciocínio há um elemento repetitivo, uma resposta repetindo-se em surdina e que procuras não escutá-la, mas ela está lá, é o sobrevivente dos escombros: eis a decisão.

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