nem
a gabardina nem o guarda-chuva evitaram nessa tarde a maré
há
meses a subir e sedimentando a fadiga ao longo do teu corpo
soçobrar-te.
mal nos juntámos num amplexo o teu rosto buscou o sossego
do
meu peito e o teu choro juntou-se à morna bátega caindo em
Hermannplatz.
para
além da dor também certas doações são propriedade privada
partilhadas
na intimidade mesmo quando o u-bahn está cheio
bastou
mantermos o abraço e o teu rosto voltado para a janela
onde
pela parede correm os cabos que dão vida a estes Leviatãs
e
enquanto avançávamos talvez imaginasses a ficar
para
trás essa angústia que te cerca os dias e as noites
como
seria bom imagino-te ainda a pensar
agora
que escrevo isto e já o nosso abraço se soltou
que
a cada estação passada os tormentos abandonassem
a
carruagem agarrados aos passageiros como os fungos
às
altas árvores restando somente nós ainda nesse abraço
o
qual durou a curta viagem a Boddinstrasse. à saída
ofereceste-me
um mapa plastificado para nem mesmo sob a chuva
as
tuas ou as minhas lágrimas me perca e saiba sempre voltar
a
ti e fizeste-me levar-nos a Weiserstrasse onde um Ozu da década de
1930
nos
mostraria que numa fatídica noite de uma criança equilibrando-se
febrilmente
entre
a vida e a morte bem e mal são posições intermutáveis tomadas
face
a um comum sentimento cuja proximidade distância ou presença
de
laços sanguíneos nada significam – na sua forma humana
Deus
e o Diabo têm um coração e partem de madrugada
compartindo
um cigarro representando a farsa da amizade
e
assim é até ao virar da esquina e desaparecerem do nosso olhar
tal
como nós do de toda a gente enlaçando as mãos
caminhando
pelo pavimento húmido tornado céu nocturno
de
tão negro e refractando estelarmente todo o tipo de luz
e
é sobre esta via irisada que novamente caio com o teu passo batendo
ao fundo
as
pernas torneadas e elevadas pelas curtas botas realçadas
sedutoramente
o
corpo rasgando o breu no cingido vestido e tua maviosa voz por toda a
Urbanstrasse
e
no labirinto dos meus ouvidos falando já não de pesadelos antes dos
sonhos
que
tu e eu e nós desejamos ternamente para além do bem e do mal
da
vida e da morte e de Deus e o Diabo que fumam os cigarros que nós já
não
porém
a caminho de Wilmsstrasse o problema posto para o passeio era duro e
difícil
pois
uns sonhos por vezes chocam na sua imaterialidade com outros
é-se
novo demais para enraizar e velho demais para partir
mas
se nada fazes olharás para trás e passarás os últimos anos
lamentando-te
e
um trabalho é para viver ou para sobreviver é para a aventura da
vida
ou
o encobrimento da miséria e tudo isso pesado na balança do amor
que
resposta poderás dar? é o medo ou a indecisão que te silencia?
é
a subida de contínuos degraus até à tua cama nas nuvens a tua
presença
em
todo o lado no escuro do teu quarto e a aposta cega no futuro
mais ainda se na separação do sono tu me procurares e o abraço durar até ao
dia que vem
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