segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Abschied von Sommer in Zinnowitz

despedimo-nos desse velho sem grande pomposidade
afinal o que poderíamos fazer desde agosto se arrastava
moribundo em silenciosos estertores fulminando-nos
com breves alusões do que ansiava ter sido: apresentador
de cenas dos próximos capítulos adiados para o ano seguinte

digo velho e exagero era um moço trigueiro
um adolescente com orgasmos precoces
como quase todos os homens que não são actores porno
e se afogam numa onda de desejo por aquela mulher
que os enlouquece até aprenderem a língua dessa loucura

ou como surfistas deslizarem ao longo dessa torrente
qualquer que seja a sua dimensão
suspeitando sempre da possibilidade de serem tolhidos
e morrerem sob a pressão a força o turbilhão
disso que os arrasta irresistivelmente para o abismo

despedimo-nos atravessando essas verdes regiões
outrora reinos e burgos independentes da antiga prússia
e da cidade capital rumámos a nordeste onde o mar se agiganta
do cosmopolitismo babélico passámos para os campos
e as particulares arquitecturas de Brandenburg e Mecklenburg

que estranha impressão todo este cenário suscita
como se apelasse a que te transformasses
num oitocentista robinson crusoe
ou num jovem marcel em Balbec
sendo que a diáfana nuvem de raparigas se resume a uma só

quando caminhas a seu lado ou pouco atrás
pelas ruas de Zinnowitz saindo da floresta
e entrando pelo areal onde o mar serena
toda a inquietação dos dias tempestuosos que vos desencontraram
ar e água separavam-se por uma diferente matiz de cinzento

definida por uma textura cedo desmaterializada
tornando a abóbada a seu tempo mais líquida e o mar
um céu metamorfoseado ou sombrio espelho
sentados na areia observando a brincadeira das nossas raparigas
e antes que a diferença se desvanecesse questionei-me

se tudo afinal não caminha para aí
não em direcção a um todo homogéneo e indiferenciado
mas para um mundo heterogéneo de diferenças misturadas
cujas suas afirmações são somente serem não será isto
o que nos diferencia a ti e a mim um mínimo inapreensível

dois grãos como sendo cada um uma possível expressão da vida
uma textura ou matiz caminhando deitando sonhando juntos
ligeiramente maiores que esses sobre os quais nos sentámos
depois de almoçarmos os nossos passos guiaram-se pelos dos turistas
e sob forte vento entrámos mar adentro sobre um pontão rangente

suspensos no horizonte como entre passado e futuro:
mergulhando nas águas um ascensor submarino dar-nos-ia a ver
os segredos profundos mesmo nesta diurna escuridão
enquanto por trás de nós praia e floresta assim me pareceram
davam-se como tela impressionista segundo a fotografia tirada

retornando a uma das praças a nossa expedição deparou-se
com a ruína de um centro ou teatro erguido classicamente
deixado ao abandono excepto pelas heras e demais plantas
um elogio à decadência da cultura ou simplesmente um exemplo
de uma obra desnecessária face ao desinteresse geral

um pouco como este desnecessário poema que mais não é
do que a recordação de uma viagem no fim do verão
ou a continuação e extensão da expressão da vida que eu sou
e de como me ligo a ti e ao mundo através de palavras inexemplares
matizadas com o mesmo cinzento desse dia

na volta as dúvidas persistiram ondas do mar interior
rebentando no cérebro e na garganta e tão descrente
das dualidades tendo-vos dirigido para o norte passando pelo sul
e indo para o sul cruzando o norte de olhar perdido na estrada
que corre por baixo e nas luzes que vão e vêm

desassossegado uma vez mais te pões em causa:
quando fazemos a viagem para o amor temos necessariamente
de atravessar as regiões do ódio da inconstância
quase afogarmos ou morrermos de abstractas sede e fome
em territórios inóspitos sós ou mesmo acompanhados

e sem dar descanso novamente te derrubas:
sabes haver sempre outros caminhos
ou como o teu antepassado em melhor verso afirmou
amador o amor faz-se amando e nas trevas do carro
quando todos dormiam deste-lhe a mão crendo no futuro da viagem

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