oh
como o passado se arrasta e perdura
sobe
lenta e profusamente perdendo-se na tua boca
até
eclodir enchameando a noite de tensas dores
fúteis
frustrações crispando o corpo
fechando
o cerco do punho erguendo muros no coração
o
que tu dizes o que eu digo
contínuas
melopeias de mal-entendidos
nem
somos nós os corpos as vozes tão presentes
na
dança trágica dessa momentânea paixão invertida
tragando-nos
vorazmente apartando-nos
se
durante o dia os corvos pairam sobre berlim
quantas
noites crocitamos nós invectivas
palavras
negras e agudas penetrando e ferindo o imo
porque
a desrazão etílica queima a língua
e
abre as comportas das barragens do azedume e da fel
avolumadas no dédalo dos sentidos
projectando
no ecrã dos nossos rostos macabras máscaras
enquanto
a carne se transforma em madeira ou metal
fios
brotam de imprevistos nós (e nem somos nós etc.)
e
a cidade confunde-se com um cenário de pesadelo
ou
teatro de marionetas mal o passado assim investe
e
tudo o que era luminoso e aberto em nós
langorosas
paisagens de desejo dando ainda os seus rebentos
se
cala e se esconde até um novo dia ou a assinatura
de
um tratado de paz selado com beijos musculados
o
que das nossas vidas nos opõe um ao outro
que
aprendizagem ou experiências ergueram essas obstinadas
defesas
que teimam e em tensão espreitam
em
surdina pelo gesto palavra atitude ou hábito
abalando
o mundo até o soltar dos seus eixos
que
limite têm esses espaços interiores onde somente
o
que de nós habita no outro passa e percorre
clandestinamente
como predador e presa
acolhendo
o inimigo para melhor agredir o amado
e
no entanto move-se poder-se-ia dizer do amor
precisamente
por entre as injúrias os silêncios nos burburinhos
quando
a fera amansa numa prolongada inspiração
e
o corpo se entrega ao cansaço
não
do combate mas do seu contínuo embate
no
indelicado quarto em que se vê encerrado
não
posso adiar o amor disse o poeta solar e nós
sabêmo-lo
porque o sentimos fulgir
atravessando-nos
como um cometa o céu
até
que nos reconhecemos já nús dessas trapaças
cortados
os fios recuperada a carne o coração batendo
e
murmuramos como se rezássemos tudo
isto
foi um pesadelo eu vou acordar eu vou acordar eu vou acordar
e
sim despertamos como um desmaiado
por
entre destroços e mortos após um bombardeamento
e
tudo é estranhamente familiar
mas
talvez tenhamos ido longe demais
e
a cada vez retomamos desse ponto avançado cada vez mais cegos
e
esquecidos das nossas verdadeiras vontades e intenções
porque
o meu lamento é de amor e não de ódio
é
uma canção triste de alguém que perdeu o fio e o busca
e
não quer perder o que já perdeu e hoje
tenho
a clarividência de que o amor não se aprende nem uma relação
é
diferente pelas passadas a cada vez e sempre é a novidade
brotando
dos corpos demasiado doentes pelo passado
mergulhando-os
nos fantasmas da repetição
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