sábado, 3 de novembro de 2012

Carlos Alberto Machado - 5 poemas

[sequência crescente]

Os livros apenas deviam ter
um nome e um algarismo
e depois todos os outros
em sequência crescente
para a morte.

*

[ninguém chama por ti]

Ninguém chama por ti agora
que desapareceste da tua esquina
onde te alimentavas com os cheiros
de pão quente e de sexos usados
quando passávamos por ti subia
o teu olhar e logo baixava não diria
por qualquer tipo de subserviência
talvez fosse a tua maneira de dizer
ó sacana vê lá se me dás uns trocos
alguns diziam que eras tímido e sereno
para mim era tal e qual o jean simon
do renoir no boudu sauvé des eaux
um dia olhei-te mais demoradamente
forcei o olhar mas o anarquismo
do boudu não estava dentro de ti
ou não quiseste partilhá-lo comigo
mas não deixei de gostar de ti agora
estás provavelmente numa vala comum
se ainda te sobrar paciência por favor
espera por mim.

*

[uma viagem romântica a moscovo]

Todas as noites faz tiragens imaginárias de cento e trinta exemplares
numerados e assinados pelo autor qu eé ele embora ainda não tenha nome
bem firmado na ua dos poetas onde tanto se esforça por ser ilustre
contudo modesto e único poeta no vão da porta do prédio da farmácia
onde sorri todo o santo dia um sorriso enigmático prova iniludível
de que repousa ainda no lado impossível do sonho ultimamente sonha
com a empregada da loja de informática
e com uma viagem romântica a moscovo.

*

[um persistente cheiro a morte]

Na extremidade oeste do bairro
agora há mais baldios e ruínas
pouco mais do que uma ruela
entre casas gastas e gatos vadios
- a auto-estrada perto a ressoar -
e o persistente cheiro a morte.

*

[a morte escreve-se]

A morte escreve-se em cadernos azuis
folhas brancas numeradas
e lisura a condizer.


in Carlos Alberto Machado, Uma viagem romântica a moscovo, Ilha do Pico, Companhia das Ilhas, col. azul cobalto, 2012: 9, 19, 29, 42 e 45.

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