domingo, 10 de julho de 2011

em cinco dias évora-fès-évora fiz (xxxiii)

Foi nesses passeios pela cidade que realmente conhecemos o marroquino mais simpático e porreiro que podíamos encontrar. Chamava-se Ibrahim e vinha das montanhas, casado e com um bebé gordo e sorridente que se passava com o pai. Bastava o pai fazer uma careta ou dizer-lhe qualquer coisa e o miúdo sorria de contentamento. Ibrahim tinha uma pequena loja que era igualmente a sua casa e falava pelos cotovelos. Não foi preciso muito para nos convidar a entrar, ele falava todas as línguas possíveis e se não falasse arranjava meios de falar. Passando por um minúsculo corredor, entrámos numa também minúscula sala, com duas estantes em L que chegavam ao cimo do baixo tecto, uma com especiarias, outra com brincos, anéis, colares, cinzeiros. De frente à estante com especiarias havia um sofá com mantas, onde só cabiam duas pessoas, e um banco que servia de mesa de apoio para o chá de menta que ele pediu logo à esposa para preparar. No chão um tapete estendido e por trás de nós e ao lado, no resto da parede livre, várias mantas penduradas e uma lindíssima de lã rude vermelha e barras amarelas e pretas que, disse-nos ele, inicialmente conseguia cobrir uma família numerosa à noite na tenda e que os irmãos quando partiram, bem como ele, retalharam e dividiram entre eles. Com o T. e a S. sentados no sofá e eu de pé encostado a um espaço da parede ao lado da porta, Ibrahim colocou-se no meio da sala de frente a nós e deu largas ao seu fantástico e irrepetível discurso numa mistura entre francês, espanhol e algum português. Ele nem se importava se nós não lhe comprássemos nada, só a nossa presença era-lhe gratificante e serviria de publicidade lá fora, ele contava com o nosso passa palavra e, como prometido, estou a fazê-lo agora: se forem a Chefchaouen visitem a loja do Ibrahim que não se arrependem. Ele falava e gesticulava, benzia-se e olhava para o tecto, virava-se para nós e chamava-nos de seus irmãos e irmã e dava-nos abraços e beijos na cara, pelo menos eu recebi que me fartei. Ibrahim é o vendedor por excelência, suava, contava-nos a sua história, da inveja que outros tinham dele, de maus olhados que ele julgava que lhe tinham lançado, da sua felicidade com a sua esposa e com o seu lindo e gorducho filho só bochechas que o T. acabou desajeitadamente por pegar ao colo, possivelmente o primeiro bebé no seu colo. Nós riamos com ele, benzíamos com ele, ficávamos amargurados se ele contava as suas dificuldades. Ibrahim tanto desejava que nós comprássemos qualquer coisa a ele como logo a seguir, sabendo-nos portugueses e estudantes, apenas queria que fizéssemos publicidade. Mais umas palavras com beijos à mistura, desejos de boa-sorte na vida, no amor e no dinheiro e não resistimos. Foi logo ali que a S. comprou as suas especiarias, que ele servia como se fossem para os seus mais queridos e amados amigos, e o T. comprou uma manta ou um tapete e conseguiu convencer o Ibrahim a vender a sua manta de família, que ele até não queria mas precisava mais do dinheiro do que da manta. Enquanto servia as especiarias ou vendia as mantas Ibrahim não parava de falar uma única vez. Depois da venda chegou a hora da oferta, a S. deu para a esposa de Ibrahim um creme para as mãos, o T. não sei o que deu, já não me lembro, e eu acho que não dei nada porque não tinha nada para dar. Depois deu à escolha brincos para a S., enquanto que eu apenas aceitei mais um copo do bom chá de menta e o T., porque eu não aceitei nada, não teve coragem de pedir uma coisa que fosse. Despedimo-nos com a certeza que não se perdem as amizades com as distâncias que nos separam.

(cont.)

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