sábado, 9 de julho de 2011

em cinco dias évora-fès-évora fiz (xxxii)

1 de Janeiro de 2007

Como é meu costume, quando não me deito muito tarde como às quartas e quintas-feiras, levantei-me cedo, aí por volta das dez horas da manhã. O pequeno-almoço era servido até às dez e meia e tinha pelo menos mais meia hora para comer nas calmas. Pensei que não faria mal, porque muitas vezes fiz isso, tomar banho depois de comer. Olhei para a S., dei-lhe um beijo de bom-dia e deixei-a dormir descansada. Saí do quarto sem fazer demasiado barulho e fui bater à porta do quarto do T., já que tínhamos combinado tomar o pequeno-almoço todos juntos. Disse-me que já lá ia ter. Desci, cumprimentei o recepcionista e perguntei-lhe se ainda se podia comer. É claro que se podia, eram nove e pouco e não dez como dizia o relógio e de facto, o relógio suspenso por cima do balcão dizia dez e pouco quando me fui embora. Só aí é que percebi que alguma coisa estava errada e perguntei se est il correct l’horloge là; oui bien sûr; Mais, n’avez pas vous une heure plus que les portugais? Non, on a le même temps, seulement au Été vous gagnez une heure. Foi aí que percebi que andámos sempre com uma hora a mais que todos os outros, que tínhamos celebrado a passagem de ano às onze horas entre nós e daí a razão de festejá-la uma outra vez uma hora depois. Bom, sentei-me num sofá depois de me ter servido de pão, manteigas, uns biscoitos e um galão frio, porque o galão aquecido dá-me a volta ao estômago, o chá é a única bebida quente que suporto. Fui comendo descansadinho a ver a Al-jazeera em árabe sem perceber nada a não ser que em questões de manifestações e guerras religiosas e territoriais tudo se mantinha na mesma como a lesma. Servi-me de mais um galão e de um café, até que o T. apareceu já de banho tomado. Contei-lhe a novidade, que tínhamos de atrasar o relógio e mentalmente dei-lhe os parabéns por conseguir durante quatro dias chegar uma hora mais cedo do que o combinado. Acabei o café e fui acordar a S. e tomar banho. A S. já se encontrava no banho, por isso, e também como é meu costume, fumei o cigarro da manhã e esperei.
Abri a janela do nosso quarto, saquei de um Marquise e pus-me a mirar a paisagem. Parecia-me que estava na velha cidade de Lisboa, com as suas casas pequenas e ruas estreitas a subir até ao Castelo de Sº Jorge. Bem à minha frente espraiava-se uma colina dessas pequenas casas brancas e azuis claras que dão o aspecto de Chefchaouen, escadas a correr, telhados desfeitos, terraços com roupa estendida e mulheres a lavar em tanques, gatos ao sol que subia mais e mais por cima das enormes montanhas à minha direita, pátios cheios de tralha onde se fazem as necessidades (lá estava eu a fumar e aparece uma rapariga num desses pátios, baixa as calças de ganga, põe-se de cócoras e avia-se até que levanta a cabeça e olha em frente e repara que eu reparei que eu a tinha apanhado a mijar e a reparar em mim, leva a mão à boca para suster o riso e esconde-se enquanto eu desviava o rosto, isto tudo em segundos não pensem que se trata de alguma taradice minha e estava ali especado a olhar). Comecei a rir-me daquele momento e contei à S. enquanto ela se vestia. Tomei um banho rápido, vesti-me, pus a mochila às costas e descemos os dois ter com o T., mas ele tinha subido e ido à casa de banho, o sortudo. Esperámos lá embaixo e quando ele chegou fomos dar uma volta pela Medina, ver coisas e quem sabe comprar. O T. queria levar para o Gaspar, o filho recém-nascido do E., uma djellaba e para o C. um chichá ou narguilé ou cachimbo de água, como quiserem, enquanto a S. queria levar especiarias para nós e para a família. Subimos, descemos, comprámos mais uma câmara descartável e subimos e descemos uma vez mais, víamos onde poderíamos comprar as coisas, já éramos profissionais na matéria, depois do Abdhul estávamos vacinados, quando queremos comprar compramos, quando não, não, só no regateio é que eu não posso falar porque não tenho mesmo jeito para isso.
Depois de termos feito uma primeira pesquisa, de conhecer bem a Medina, de ter levantado dinheiro, decidimos ir para a praça almoçar. Tínhamos mais ou menos prometido a um miúdo almoçar no seu restaurante da praça na noite anterior, quando andávamos de um lado para o outro na praça à procura de onde jantar, e lá fomos. O miúdo não nos reconheceu à primeira, também não era preciso tanto, e sentámo-nos numa mesa. A esplanada estava quase cheia de turistas a mostrarem as suas recordações uns aos outros, a comerem e a beberem coca-cola e chás e por todo o lado à volta das bebidas vespas a voarem que se colavam aos copos, mergulhavam lá dentro, bebiam o doce nos gargalos e atiravam-se para dentro das garrafas. Como as bebidas não estavam frescas o doce era mais activo e atraía vespas de todo o lado. Era difícil estar ali, mas lá ficámos e fizemos o nosso pedido, três pastillas e três colas e vespas a acompanhar com pão. Calor e sol abrasador que o chapéu-de-sol não conseguia proteger, a praça cheia, comíamos pão, aquilo é que era vida. Veio a comida e comemos, veio o café e bebemos, menos o meu que se acidentou para cima das minhas calças. Pedimos a conta, pagámos e fomos às compras.

(cont.)

Sem comentários: