quinta-feira, 7 de julho de 2011

em cinco dias évora-fès-évora fiz (xxx)

Por isso, o melhor a fazer era jantar e ainda por cima o recepcionista tinha-nos arranjado uma cópia do mapa de Chefchaouen com a indicação do melhor caminho para a praça principal, onde a maior parte dos restaurantes se encontravam. Lá fomos, cheios de excitação para a festividade da passagem de ano. Não havia dúvidas, era dia de festa. As ruas, os cafés, os restaurantes, a praça cheia de gente. Parecia dia de mercado. Pessoas de todas as idades e feitios. Falavam-se muitas línguas, cantavam-se em outras tantas e andava-se e corria-se em outras mais. Percorremos a praça para a frente e para trás e detrás para a frente, decidíamos onde comer olhando para os diferentes preçários e ouvindo as diferentes propostas. Era uma praça mais ou menos do tamanho da Praça do Giraldo, do lado das arcadas ficava o antigo kasbah e do lado dos cafés, sem as ruas que descem, os restaurantes com esplanada e andar com terraço ou varandas, seguidos uns aos outros. Encontrámos um que não estava nada cheio, apenas uns tipos no primeiro andar a fumar kif, e sentámo-nos no terraço com vista para o kasbah e para as montanhas com o seu esplêndido e dispendioso hotel, que apenas se viam se esforçássemos a vista. Fomos servidos com muita calma, mas também não havia pressa. Afinal, era o último dia de dois mil e seis e cada um se despede e aguarda coisas novas no seu próprio tempo, ao seu ritmo, e também porque faltavam ainda algumas horas para o adeus final. E vieram duas coca-colas, um chá de menta, uma tajine (para mim como costume), cuscuz com borrego para a S. e pastilla (uma larga moeda folhada de carne, amêndoas, canela, mel e vegetais) para o T., mais uns pães, azeitonas e especiarias. Fomos comendo com muita calma, entretidos com as coisas do costume (as palhaçadas portanto), ouvindo música que vinha da praça, flautas e darbukas, vozearia e gargalhadas. Depois de jantados deu-me ganas de comer um doce e já andava há algum tempo a espiar um iogurte natural que por vezes via à venda nos mercados. O T. e a S. gozavam comigo porque o iogurte tinha um aspecto horrível, pastoso e fedorento, só que eu tinha desejos, queria experimentar aquilo, quase como se eu estivesse grávido, só de pensar no iogurte me babava e ainda por cima aquele restaurante tinha iogurte, mas, infelizmente para mim e felizmente para os dois, não havia, tinha acabado há pouco disseram. Tudo bem, fuma-se um cigarro e pede-se café. Mas cafés, também não serviam. Pedimos a conta e no entretanto enviávamos mensagens de bom ano com uma hora de avanço. Mas lá, quero dizer aqui, como lá, e quero dizer agora mesmo lá, eram apenas onze horas e não meia-noite e a nossa celebração não fazia sentido e ninguém festejava quando nos nossos relógios apontavam as doze horas, coisa que achámos um pouco estranho, vão-se lá entender os outros.
Saímos do restaurante para tomarmos café, vagueámos pela cidade à procura de lugares vazios e, quem sabe, um bar que talvez vendesse álcool, uma vez que em Casablanca havia supermercados que vendiam, porque não um bar em Chefchaouen que recebe tantos turistas. Pensando isto não nos tínhamos provido de álcool, nem vinho, nem whisky, nem sequer uma garrafita da tradição de champanhe ou espumante, e eu até disse ao T. para comprarmos e levarmos mas não o fizemos. Numa rua encontrámos um bar todo modernaço e europeu, atolado de estrangeiros como nós, passando reggae e dub mas álcool nem vê-lo. Aos poucos e poucos começávamos a parecer-nos com uns alcoólicos sedentos de embriaguez. Mas não, nem cerveja, nem vinho, vodka, martini, rum, licores, gin, whisky, aguardente, só kif e haxixe. Arranjar droga para fumar não havia problema, mas nós queríamos beber, beber, sei lá, nem que fosse um pouco de álcool etílico diluído em sumo de laranja. Nós não somos straightedges e não fumamos. Como já disse, temos vícios e virtudes. Podemos não precisar nem sentir necessidade de erva, haxixe, ácidos, pastilhas, mas somos alcoólicos moderados, a terceira via das festas. Nada havia para nós, purificávamo-nos aos poucos e poucos contra a nossa vontade de bêbados. E como também não tinham café, fomo-nos embora e voltámos para a praça.

(cont.)

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