quarta-feira, 6 de julho de 2011

em cinco dias évora-fès-évora fiz (xxix)

Fotografias aqui e acolá da paisagem com pôr-do-sol, mais conversas com vendedores de kif e aquilo que para mim venceu toda a paisagem até então atravessada e fotografada. Noite escura já, passávamos por uma longa ponte ligando duas montanhas, por baixo o vazio ou quase vazio, percebiam-se muito ao longe umas casas iluminadas mas não sabíamos se por baixo de nós também havia. A temperatura tinha descido, fazia frio, lá em cima via-se a lua e o céu estrelado e ao nosso lado, descendo uma encosta passando por parte da ponte e continuando para onde a vista já não alcançava, um longo manto de nuvem branca, lento, lânguido, sonolento, vogando vagaroso como um sonho de cascata. Levou-nos algum tempo para atravessar, ou então a duração desse manto é apenas o sonho que ainda trago. Tão belo como isso talvez apenas aqueles arcos que se criam no inverno alentejano à volta da lua, fazendo-se um grande olho. Mas também a demora pode ter sido devido ao autocarro que ia à nossa frente, bem como por todos os outros carros que seguiam lentamente atrás.
Passado o autocarro e alguns carros acelerámos para Chefchaouen, acabando por lá chegar pouco depois das sete horas, para aí um quarto para as oito, que afinal eram, como já tinha explicado antes, seis horas, ou um quarto para as sete, porque tínhamos adiantado os nossos relógios para nada. Entramos pela parte de cima da cidade azul, por cima dos cornos, e como o T. se lembrava do caminho não nos perdemos, à parte de termos de fazer uns desvios à custa dos cortes de estrada do ano novo, para haver mais espaço para aqueles que andam do que para aqueles que conduzem, e que eu concordo plenamente. Estacionados diante do hotel, a S. e eu corremos lá para dentro afim de nos fazermos presentes e demandarmos as nossas chaves. Precisávamos igualmente de saber onde poderíamos estacionar o jipe e se havia restaurantes abertos para jantarmos. O hotel tinha um parque privativo de terra batida onde podíamos guardar a viatura. O T. estacionou e eu ou a S., já não me lembro bem, um de nós, portanto, ficou no hotel a preencher a papelada e o outro foi ajudar o T. a desarrumar as mochilas do jipe e a trazê-las para dentro. Assinados todos os papéis, e depois de ter visto um casal de portugueses mal-educados que nem disseram olá nem nada, ao contrário daqueles turistas na fronteira de Sebta, subimos para os nossos quartos.
O hotel era fantástico, parecia grande e pequeno ao mesmo tempo. Nada lá estava fora do sítio, mas muitas coisas estavam a mais. Entrávamos por uma porta de madeira quadriculada de vidros, virávamos à esquerda, abríamos outra porta semelhante e descíamos dois ou três degraus atapetados (devo dizer que por todo o lado haviam tapetes no chão, grandes tapetes, pequenos tapetes, tapetes de corredor como aqueles de marquise, tapetes nas escadas, nos quartos, por todo o lado). Depois dos degraus dávamos de caras com o balcão da recepção e por trás de nós, separado pela parede que se via à entrada quando entrávamos, a grande sala de estar atapetada e ensofasada, longos sofás de encosto de madeira talhada ao comprimento das paredes e de costas uns para os outros, os que se achavam no meio da sala, e por cada três ou quatro lugares dos sofás uma mesa baixa de madeira escura e avermelhada de tampo de vidro. Almofadas por todo o lado, vasos, quadros, fotografias, porcelanas e artesanato. Podiam-se fazer todas as refeições nessa sala se quiséssemos (mas eles não faziam) e o pequeno-almoço estava incluído, podia-se passar um belo tempo de descanso lá sentados a beber chá de menta. Fazendo uma curva de noventa graus à volta da parede onde o balcão estava encrostado, subiam-se umas escadas apertadas (duas pessoas lado a lado com mochilas sentir-se-iam apertadas, ou se calhar não) e, para aí no segundo ou terceiro andar, encontrávamos os nossos quartos, o meu e da S. ligeiramente desviado da saída das escadas e o do T. ao fundo do corredor à esquerda e de frente ao corrimão do andar. Os quartos eram minúsculos, com tapetes claro, duas camas singulares com dossel de ferro e mosquiteira, uma mesa de ferro e tampo de vidro a separar as camas, um enorme armário, com almofadas e mantas, e, subindo um degrau, uma casa-de-banho que tinha quase o mesmo tamanho que o quarto, em formato de diamante de quatro lados (o arquitecto deveria querer aproveitar todo o espaço). Com as nossas coisas espalhadas pelo chão o quarto ficava reduzido ao espaço das camas e o espaço entre mesa, era difícil movimentar-nos e para nos deitarmos tínhamos de andar como caranguejos, isto é, de lado. Acabámos por colocar tudo em cima da cama que iria ficar vazia para termos mais espaço de manobra e tirámos à sorte mentalmente quem iria ficar colado à parede. Era uma cama difícil de se dormir, um de nós ficava tipo osga agarrado à parede e o outro com uma perna de fora apoiada no chão para não cair. A casa-de-banho ainda por cima tinha um respiradouro comunicante com a casa-de-banho do quarto vizinho, logo eu teria de ter muito cuidado e a minha liberdade da prisão de ventre ficou adiada para mais um dia porque, naquele momento os vizinhos ocupavam a deles e eu não queria cá conversas.

(cont.)

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