segunda-feira, 4 de julho de 2011

em cinco dias évora-fès-évora fiz (xxvii)

Até um quarto do caminho a paisagem era incrível. Um longo conjunto de pequenas elevações encavalitando-se umas às outras de cor castanha, amarela pálida e vermelha. Aridez mas não ainda o deserto, semi-deserto de cascalho. Uma vez ou outra alguma vegetação rasteira, finos oued a serpentearem, árvores, pequenos campos de cultivo. Fizemos algumas paragens para fotografar, prosseguirmos uma ideia que já vem longa de mim a saltar (é uma coisa nossa e não vou dizer porquê). Parámos numa zona plana e verde para comermos as nossas sandes e bebermos água, dizer bom-dia ao agricultor desses campos, que afinal não era, era antes um homem do lixo que apanhava os detritos lançados pelos carros. Jogámos à apanhada os três enquanto comíamos, fumámos os nossos cigarros fazendo a vez de sobremesa e café, e fizemo-nos à estrada uma vez mais.
Fomos percorrendo a longa estrada que ligava Fès a Ketama. Em parte, não sei porquê, a paisagem lembrava-me alguns panoramas de Évora. É verdade que os longos horizontes ondulados se assemelham, com certas cores secas, pálidas, áridas, desérticas. Mas enquanto num lado somos rodeados de folhas e plantas silvestres rasteiras e secas, noutro lado, circundam-nos cascalhos, pedrinhas e, sim, algumas plantas e até mesmo árvores que já vos disse. Seguíamos a estrada quase plana mas circulando esses montes secos. E como em certas zonas de Évora, aqui e acolá surgiam lugares, casais, pequenos povoados não de tijolo mas de adobe, argila. Sobre as vertentes dos montes, em árabe, desenhavam-se em pedra e cal os nomes das terriolas. Num desses povoados tínhamos à nossa esquerda, no lado do monte que descia para nós, o nome em letras gigantescas e, do outro lado, à direita, uma outra vertente que dava para um largo e baixo oued de cascalho xistoso, onde mulheres lavavam a roupa, tentando fugir às fotografias do T., e crianças que lavavam a sua própria roupa banhando-se nas águas que corriam.
Terá sido talvez a cidade mais limpa que alguma vez vimos em Marrocos. Uma dessas cidades que crescem ao lado da estrada, dos dois lados, como muitas que se encontram em Portugal. O que diferenciava esta cidade das outras por onde passámos ou estivemos, já que em todas se celebrou o Eid al-Adha, não sabemos. Mas era limpa, escorreita, animada com toda a gente a sorrir e a acenar para o jipe e os seus passageiros portugueses que passavam e nós boquiabertos, espantados com tanta higiene, tanto cuidado na aparência e dizendo adeus, até à próxima, até à vista ensha’llaah. Pensávamos em voz alta, bem se calhar agora é sempre assim, cidades pequenas e limpas, todas arranjadinhas para os turistas já que esta estrada atravessa parte do Rif. Está bem está, aquela foi a única cidade limpa até chegarmos a Chefchaouen. Dali até Ketama a sensação de aventura renascia em cada um de nós, exactamente pouco depois de eu ter despertado outra vez para a viagem, porque à saída daquela cidade caíram-se-me as pálpebras ainda da barriga cheia de sandes e de algum cansaço que restava nos músculos e que o jipe acordou.

(cont.)

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