sexta-feira, 1 de julho de 2011

em cinco dias évora-fès-évora fiz (xxiv)

Metemo-nos no táxi, dissemos a direcção e partimos. Pouco depois de termos começado a nossa marcha fizemos uma paragem para dar boleia a um homem que trazia uma galinha presa pelas asas. A casa dele ficava a caminho e como com a água não se nega boleia num táxi em Marrocos. Fomos os quatro a conversar, dizendo que vínhamos de Portugal, que éramos estudantes e ouvimos falar uma vez mais de Baraka le jour de fête, la grande fête du Maroc, le Eid al-Adha, si vous pouvez vous devez partager la fête avec quelqu’un d’ici, on boivent et mangent ensemble et la fête dure un jour entière. Talvez deva explicar agora o que é esta Baraka, o tal Eid al-Adha. Terão, por certo, conhecimento da história de Abraão e da imolação do carneiro ao invés do seu primogénito. Pois a história de Abraão tem também lugar no Corão. Uma vez por ano e não num dia certo, os árabes recordam Abraão e, como ele, imolam um carneiro e para já chega senão estrago a surpresa.
Íamos então no táxi quando, numa larga avenida e por causa do Eid al-Adha, ficámos parados devido a uma enorme bicha de carros à espera da abertura de um sinal vermelho. Palavra puxa palavra em marroquino e o nosso taxista põe a cabeça de fora pela janela. Como não vinha nenhum carro do outro lado, decidiu começar a festa querendo matar estes dois carneiros estrangeiros que iam no banco de trás. A S. e eu olhámo-nos passando pela cabeça a mesma coisa, este gajo está doido, o gajo não vai fazer isto. E não é que o gajo Fès exactamente o que estávamos a pensar e que todos vocês também estão. O gajo levantou a barraca. Põe o pisca para a esquerda, acelera e lá vamos todos nós os quatro em contra-mão pela avenida a sapar antes que abrisse o sinal vermelho. O tipo da frente agarrava a galinha e eu e a S. como só tínhamos pele e nenhuma galinha demos as mãos às escondidas e ficámos com o sorriso mais parvo e amarelo alguma vez possível. Ai caralho, ai caralho, ai caralho e zás abre-se o sinal, o taxista vê um espacinho entre dois carros, os outros começam a vir e quando um já estava frente a nós a três metros o taxista consegue virar para a direita e seguir viagem. Lá à frente, o homem da galinha e o condutor trocam umas palavras que mesmo sem sabermos árabe percebemos, foi por pouco esta hã? Apeámos os nossos novos companheiros de viagem e continuámos mais dois minutos e parámos do lado do jardim defronte ao hotel. Foi a viagem do dia mais rápida e emocionante apenas por nove dhirames, isto é, noventa cêntimos, e muito mas muito mais barata do que aquela da mini-carrinha.
Quando chegámos ao hotel, encontrámos o ajudante de vendas de tapetes no hall de entrada. Cumprimentámo-lo e ao recepcionista e pedimos a nossa chave. Eu só pensava que se nada me ajudou até agora a prisão de ventre de certeza que esta viagem de táxi me ajudou. Abrimos a porta e corri para a casa-de-banho, mas também a viagem não ajudou. Enquanto eu estava naqueles afazeres, a S. foi ver como estava o T.. Achava-se a juntar o resto do dinheiro que faltava mais uma gorjeta para o ajudante. Combinou-se encontrarmo-nos lá embaixo no hall e assim foi. Depois de um dia tão bonito e emocionante, só faltava comermos decentemente; e por isso lá fomos os três à procura de um novo restaurante para experimentarmos outro além do Al Khozama. Uma vez mais andámos para cima e para baixo, fomos levantar dinheiro porque o dinheiro que havia em caixa foi para pagar o ajudante de vendas, e não nos decidíamos. Até que alguém propôs, já que era a última noite em Fès, darmos um salto ao Zagora. Subimos a Boulevard Mohammed V e num canto escuro debaixo de prédios lá estava o famoso restaurante proposto pelo recepcionista. Entrámos, mas estava cheio de gente e com nenhum lugar vazio, se quiséssemos jantar teríamos de esperar algum tempo, e também não era muito barato. Como a fome apertava, saímos e tentámos procurar outro. Começámos então a descer a Mohammed V discutindo onde iríamos, mas àquela hora da noite já era difícil encontrar restaurantes abertos, se excluirmos o Al Khozama que para nós era o único restaurante em Fès. Enquanto estávamos nisso, aparece-nos à frente um marroquino que queria ser nosso guia e lá começa a conversa do costume, donde é que vêm, o que querem, é a vossa primeira vez e nós, melhor dizer o T., sempre a tentar despachá-lo. Só que este era bem mais chato do que qualquer um que evitáramos. Nós começávamos a andar e o tipo seguia-nos a uns metros de distância, depois atravessava a rua fingindo que não era nada com ele e quando nós parávamos vinha logo ter connosco e nós no chega para lá. A imagem que me veio à cabeça naquele momento e sem querer ofender ninguém, nem mesmo aquele rapaz que agora se encontra a mil e tal quilómetros de distância, era aquele tipo de situações em que uma pessoa vê um cãozinho engraçado e por acaso até lhe dá umas festas por simpatia mas não queremos ficar com o cão para nada porque já temos um, ou temos gatos, ou não temos nada e nem queremos, ou vamos para nossa casa ou para a casa de alguém que também tem um cão, ou gato, ou não tem nem quer nada, e o cão começa a vir atrás de nós a uns metros de distância, e é preciso reparar que os cães fazem exactamente a mesma coisa, fingem que não é nada com eles só faltando assobiar, atravessam ruas, olham para os lados e quando paramos vêm logo ter connosco abanado a cauda. Mas lá conseguimos despedir-nos do rapaz sem lhe bater com um jornal enrolado ou enxotando-o batendo o pé e decidimos voltar atrás e que se lixe o dinheiro é só esta noite e fomos ao Zagora.

(cont.)

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