quarta-feira, 15 de junho de 2011

em cinco dias évora-fès-évora fiz (viii)

Subíamos e descíamos parte do Rif, sempre a negar as ofertas. Queríamos chegar a Chefchaouen o quanto antes, para marcarmos dois quartos para nós para o dia trinta e um. Já tínhamos decidido previamente que a passagem de ano seria naquela cidade. Numa descida fizemos uma paragem para comer a última pizza, um pouco de bolo que uma amiga da mãe do T. tinha feito, com coca-cola e frutos secos, como também para fazermos necessidades. Lá em baixo, no fundo daquela ladeira pouco acidentada e muito alentejana, corria um oued quase seco. A terra era basicamente constituída de xisto partido, estilhaçado e alguns plásticos. Era um dia de sol, quente, aliás, tivemos bastante sorte com os dias que apanhámos em Marrocos, à excepção das noites, que eram frias e húmidas. Seguimos caminho, reconfortados, bem dispostos, muito palhacitos, ouvindo música, fumando cigarros e segurando a última réstia de vigília por um fio, um finíssimo fio. A meio do caminho, três mulheres vestidas de cores bem garridas subiam o monte nu, árido. No meio daquele castanho todo, ao longe, lentamente, em passos miúdos, ligeiros, um vermelho, um amarelo, um laranja, um traço azul, outro verde, cruzados, um arco-íris de três mulheres. Era bonito de se ver, realmente bonito. Já numa espécie de planalto avalado, ou um vale bastante amplo, à nossa esquerda surgiu o sinal que anunciava Chefchaouen, a cidade azul, erigida ao longo de uma serra Rifeana. Entrámos na cidade, que pululava de turistas a passear e marroquinos que saíam dos seus trabalhos e ofícios para beberem café, chá de menta e rezarem. Não consegui naquele momento fazer notar à S. toda a magnificência, todo o magnetismo do chamamento, mas conseguimos ver, muito de passagem, uma pequena praça em frente de uma mesquita, um largo grupo de homens de joelhos a rezarem. Entrámos por muitas ruas e uma pequeníssima avenida, perdemo-nos um pouco, mas lá encontrámos o Hotel Madrid, pensão de três estrelas (não íamos para um buraco qualquer, somos gente fina, queira isto dizer o que quiser), custando o quarto entre uns trezentos e uns quatrocentos dhirames. Em Évora encontramos mais barato, mas noites não são noites e estávamos exactamente ali para passarmos um bom tempo e não sermos incomodados por percevejos e bichos afins, como tantas vezes ouvimos. Por sorte, havia ainda dois quartos duplos livres, os únicos para o dia trinta e um. Fizemos a reserva, eu e a S., enquanto o T. guardava o carro, visto não termos visto lugar em vista. Ele, o T., confraternizava com dois miúdos marroquinos. Nomes de futebolistas e de comida é o português mais sabido naquela região: Figo, Bacalau, Cashcaish, Sardinas, etc; a par da pergunta da praxe, fumas? Nós devíamos ser os portugueses mais aborrecidos que alguma vez aqueles dois miúdos conheceram. Bom, e se fossemos? O que é que isso interessa? E se este texto vos estiver a aborrecer? E se vocês se perguntam: porque é que isto é tão aborrecido? A minha resposta é bastante simples, vocês não passaram por esta experiência e por mais que eu tente tornar esta narração de uma viagem interessante nunca será tão entusiasmante como a que nós passámos, faça como fizer, escreva como escrever. Olhem, se quiserem arrumem o livro, ou vão-se embora, e já está. Mas se o fizerem, ficarão sempre com o bichinho da curiosidade. E agora sou eu que vos pergunto: o que é que vocês querem, ficarem sem saber o resto ou lerem isto até ao fim? Então, continuem.

(cont.)

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