domingo, 3 de abril de 2011

Viúva




Viúva. A palavra consome-se a ela própria –
Corpo, uma folha de jornal no fogo
Levitando por um minuto dormente na corrente de ar
Sobre a vermelha, escaldante topografia
Que lhe desabriga o coração como um monóculo.

Viúva. A sílaba morta, com a sombra
De um eco, expõe o painel na parede
Atrás da qual se esconde a passagem secreta – brisa viciada,
Lembranças sufocantes, espiralada escada
Que no topo abre para sítio nenhum…

Viúva. A amarga aranha senta-se
E aguarda no centro do seu desamor raiado.
Morte é o vestido que veste, o seu chapéu e colar.
O seu marido com rosto de traça, adoentado e pálido como o luar,
Rodeia-a como uma prece que ela adoraria matar

Uma segunda vez, tê-lo ao pé de novo –
Uma imagem de papel para jazer junto ao seu coração
Como ela se deitava com as cartas dele, até se tornarem mornas
E parecendo aconchegá-la, como uma pele viva.
Mas de papel é agora ela, aquecida por ninguém.

Viúva: esse imenso, livre estado!
A voz de Deus está cheia de correntes de ar,
Prometendo somente as estrelas duras, o espaço
De vazio imortal entre estrelas
E nenhuns corpos, cantando como flechas apontadas ao céu.

Viúva, curvam-se as compassivas árvores,
Árvores de solidão, árvores de luto.
Sustém-se como sombras ao longo da paisagem verde –
Ou então como buracos negros nela recortados.
A viúva assemelha-se-lhes, a sombra de uma coisa.

Mãos sobre mãos e no meio nada.
Uma alma sem corpo poderia passar por outra alma
Neste claro ar e não notá-la –
Uma alma passa por outra, efémera como fumo
E ignorando por absoluto o caminho que tomou.

Esse é o seu medo – o medo
Que a alma dele possa bater e esteja batendo nos seus sentidos apagados
Como o anjo azul de Maria, como uma pomba contra a vidraça
Cega a tudo menos ao quarto cinzento, desinspirado
Para onde olha e deve permanecer olhando.

in Sylvia Plath, Crossing the water - transitional poems

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