sexta-feira, 1 de abril de 2011

Manuel Gusmão - 3 poemas


g;

Livre é o dom nas mãos do mundo: a alegria.

Nunca saberás dizer como se move sobre as águas a verdade
- a verdade que dança no teu corpo - e no seu teatro
sopra as almas como o vento as telas.

Mas para que uma última vez possas dançar
podemos, sim, pôr aqui o fogo
e a árvore da música: a vibração da sua haste

comunica-se; E o mundo estremece: a vibração
do mundo; quando não estamos a olhar.

*

l;

Quando não estás a olhar é o mundo
que te olha. Nunca saberás o que vê.
Obscuramente imaginas que testemunhará
por ti, mas ignoras de todo - e que importa? -
onde, a que propósito e perante quem.

*

z;

O mundo quando não estamos a olhar: as paisagens
mudam de lugar, vão mudando o mundo. Quando
olhamos só os vestígios ficam
da mudança. E não sabemos antes a figura
em que o pouco se demoram as paisagens. Só o poema
a dá enigmática e evidente.

Dirão que é esse o rosto da morte que no olha, mas
não o creias e canta antes a figura do que desapareceu
como a própria doação da figura enquanto as paisagens
mudam o mundo. Para a frente há ainda a noite
da terra que apaga e acende a última praia

e o seu elogio por quem se despede enquanto dura.

in A terceira mão -(quatro andamentos para um alfabeto), Lisboa, Editorial Caminho, col. o campo da palavra, 2007: 26-27, 32 e 46-47.

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