sexta-feira, 11 de março de 2011

arkaneftá (9)

os dois amantes reparam no gato, dormindo debaixo do pimenteiro, em janeiro. um belo gato ao sol, torrando-se como um xeque. eu queria dizer: como um buda no lugar inóspito onde pensando, escrevendo (eu sei, o gato também escreve), janeiro, o buda serve chá com outono nos lábios e os amantes, sorriem para o gato que sonha mexendo os bigodes, as patas, a cauda.
como se ao mexer todas as partes do seu corpo, o gato desenhasse todo um alfabeto no ventre do vento que roçava nas copas das árvores, para as preparar para a lua que as iluminaria mais tarde e os olhos do gato, sonhando com um novo dia. o vento bamboleava o dia em rodopios, em golfadas de pó, folhas e lixo, com tanta força que os amantes apenas quiseram enroscar-se, esperando.
e nunca corria o tempo como corriam os seus olhos, por entre fracturas na parede, lendo os mapas da humidade ondeando a cal, inspirando e expirando pelo ar pequenas nuvens cinza, que se uniam às do tabaco. e era o tempo, o que eles queriam, afinal, não sentir - pois todo o homem quer ser zeus, cortando a barriga de cronos. se eles pudessem somente lembrar a palavra antiga que lhes escorreu dos seus gritos quando nasceram, quando escorrendo de Arkaneftá, os dois numa gota que se dividiu em duas num intervalo de um ano - um girassol do mundo - pela noite dentro, lhes voltasse aos lábios como uma gota de mel com a viscosidade do tempo, então... chegariam a um acordo de línguas - oh como adoro a tua língua unívoca serpenteando na minha, como uma víbora à procura da sua toca, oh como dentro de ti e lembrando a tua língua, tento ser eu a víbora; oh como fico roendo maçãs, voluntariamente, respirando o teu cheiro de eva louca, de frente a um anjo do ocidente, oh e as grandes redes de suor que metiam as redes pelo espírito de deus abaixo.

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