segunda-feira, 28 de março de 2011

arkaneftá (21)

a morte engrandecia as mãos voltaicas dos homens, electrocutando o que anteriormente era belo.
a criança ficou toda perfumada de passar rente às carcaças, por baixo do vento que se soltava dos corpos calcinados. quis soltar um grito, que se prendeu à garganta poluída, que vinha agarrado aos meus dedos infantis como num mistério de baptismo. a criança tornou-se um habitante de um gesto, um nome incógnito, desconhecido, porém sucessivo na História dos homens.
e como fugi enlouquecido, tropeçando, caindo, com um desejo de abrir uma pedra para ver a água estremecendo de átomos e o segredo, a boiar nela, que me explicasse aquela embriaguez.
à volta da mesa, essa que crepitava as palavras das chamas, fotografias com bolhas, fumo dos pulmões à boca - as trevas a chegarem-me aos olhos - naquela luz feroz na alma húmida dos poemas, aquela ciência escrita a sangue - as trevas a chegarem-me aos olhos - no sítio ainda agora no cérebro a arder, as suas caras amargas com saliva e sangue, o estremecimento dos corpos percorrendo-os dos braços em raio de estrela até aos órgãos que caíam das suas barrigas abertas - as trevas a chegarem-me aos olhos enquanto corria para longe, para me esquecer e escrever este poema. as lembranças a voltarem, de nome em nome renomeando o mundo, passando por mim como sopros que inspiro, até cada coisa mergulhar no seu baptismo - pois ao escrever todas as palavras existentes, o poeta rebaptiza-as renovando-as, queimando a língua, iluminando tudo, até à altura de uma pessoa imóvel com uma mão convulsa manobrando a destruição para uma vida máxima.

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