sexta-feira, 25 de março de 2011

arkaneftá (20)

a criança toca no chão, tacteando, afastando os pedaços de vidro para não se cravarem mais na sua pequena mão sangrando no corpo, pois os amantes eram como um só, unidos como estavam. e os amantes sopraram na cara da criança, um sopro elementar. o rosto da criança era agora uma face respirada: boca, lábios, bochechas, olhos, queixo, penugem, e uma pálpebra que, em todas as noites do mundo, se tornam humanas, brilhando.
tudo começou a estremecer. a criança, fincada no chão como uma estaca de peso e de graça, plantou as mãos nos corpos, numa tentativa de lhes insuflar vida, como se a energia passasse pelas pontas dos dedos, raspando na pele e se infiltrasse, para que o amor e a matéria de que ele é feito crescesse, se renovasse e crescesse como o musgo na morte.

o machamante para a fêmamante - oh raíz transpirada dos meus braços até às amígdalas do mundo, oh estrela aberta por todos os lados, as labaredas atravessam as membranas pela coluna vertebral. retornamos a Arkaneftá.

a fêmamante para o machamante - oh girassol rodando nos meus dias, oh corsário que navegaste nas ondas do meu corpo como uma concha, o ceptro que nos crava no mundo, como um arrepio de unha a unha, destapa-nos a morte. retornamos a Arkaneftá.

os homens afastaram-me deles, empurrando-me contra uma estante com alguns livros que teriam o mesmo fim que os amantes e das vozes deles, que antes se encontravam fechadas, soltaram-se gritos e urros, dos seus olhos raiados de ódio, um ódio que parecia ter renascido mais brutal, preparando-se para dizimarem tudo a moléculas negras. a criança vê a imagem entrando-lhe funda no cérebro, uma imagem que ele sonhava só em retratos poder ser captada, em negros de sépia, numa iluminação macabra, ou como os momentos em que uma água parada fervendo de limos transporta a minha atenção para as rugas nos dedos.

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