terça-feira, 29 de março de 2011

arkaneftá (22)

olhando a queimadura quase homogeneizada que resta na minha mão esquerda, penso na doce mas dolorosa mão, ainda com as cicatrizes mapeando-a, que ergueu a fábula e a estrela de água entre varais de sal.
no fundo, fiquei cego nos alvéolos da boca... escondo a cara com uma barba. sempre que escrevo um poema, a voz fica cheia de artérias frias, pois o silêncio nunca existirá no poema. fica retido na mão - essa dádiva infernal fechada na metáfora - fora e dentro até se desistir de escrever.
quis inaugurar o nosso amor com um poema de morte, inaugurando o nome que morro. assinar definitivamente: demoníaco - com todas as letras, trincadas e roubadas aqui e ali: uma frase, uma ferida, uma vida selada. com toda a presunção - eu falo o idioma demoníaco, não há outro que possa habitar no poema (“depois de Auschwitz não há poesia possível”).
os homens têm a temperatura de deus, são loucos meteorológicos, habitantes da morte. a criança falou. ouviram-na? falou de uma personagem dentro de uma laranja com fogo através do campo. ela disse também: a vista fica rodeada pelo ar, aproximam-se os vivos dos mortos, tanto, até se confundirem e terem que ser avisados sobre uma ou outra coisa.

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