quinta-feira, 17 de março de 2011

arkaneftá (12)

o regresso dos amantes na aliança de um pénis, de uma vulva e de um ânus. a tríade de um prazer obscuro, um pouco abaixo do silêncio - ao escrever este poema quero saber, com tudo ordenado em si, essa ligação intima e invisível que tudo liga, que tudo envolve abruptamente, a energia dos pontos interiores e íntimos, como as malhas dos pulmões, que reconduz tudo ao universo e a tudo que existe - onde saltava ainda o mar em suas grutas tremendamente claras - planos de energia e de tristeza por se esquecer Arkaneftá - afogando pescadores e suas cabeças em delírio, os seus barcos em retalhos para outras fogueiras em praias e essa crispada lentidão acetilena dos caranguejos a pelarem os restos, e a maré, que subia pelos pés dos amantes com areia à beira-mar, passada por manhãs em sopro.

por cada toque, os amantes tentam lembrar-se de tudo para não cometerem os mesmos erros, desejando avançarem um pouco mais no retorno a Arkaneftá, ao espelho. quando acertarem de vez em todo o percurso, quando lhes cravar na face a bondade sem qualquer mentira cristã agarrada nas costas, quando todo o gesto, quero dizer, todo o corpo se mover como se conseguíssemos ver a electricidade a percorrer as veias azuladas; quando sentirmos uma leve impressão nos ossos do nosso corpo, como se estivessem a fundir, é quando sabemos que o corpo está a tomar a forma de uma letra (a nossa forma verdadeira, fora da carcaça, é uma letra do alfabeto que queremos lembrar mas que nunca o conseguiremos), e cada osso, até ao mais ínfimo e pequeno, terá inscrito um ou vários poemas... e então, o nosso corpo prepara-se para morrer. a energia a pouco e pouco vai-se soltando, e se tudo isto acontecer, iremos ao encontro de Arkaneftá o espelho, continuar este poema fantástico que é o universo, este poema que se assemelha a um quadro. será sempre essa a finalidade da poesia: a aproximação à pintura, tornar-se ela própria pintura. na escrita ocidental é entre as palavras que as linhas da pintura se entrevêem e nos contornos delas mesmas; enquanto no oriente, eles nunca deixaram de tentar isso mesmo, de se assemelharem à pintura. quando isto acontecer não necessitaremos de voltar a esta roda viva que é a vida: a repetição.
mas ninguém se lembra disto. eu próprio prefiro pensar que apenas me estou a lembrar de algum sonho, que tudo é pura imaginação, que é um reflexo, uma reacção ao mundo, ao desgosto e angústia, que sinto ao ver e sentir a vida. é tão mais fácil saber o que se esquece em som rápido, vozes de pessoas e de folhas em tumulto branco sobre a febre e pinhas, do que o esforço de nos lembrarmos daquilo que possivelmente não existe se não na imaginação (oh mas como por vezes sinto que é tão, tão real), e os dois amantes não se cansam disso, nem de pensar se é sonho ou real, apenas sentem que o devem fazer, este percurso, esta viagem alucinante de tão simples que é e que eu relato (porque eles são eu e sou eles e todas as palavras).

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