quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

eu, na verdade, não penso. perco-me.

eu, na verdade, não penso. perco-me.
surge uma frase, poderia ser um pensamento, mas quem está a pensar? e esta frase é minha? decerto que as palavras não o são, não, não são minhas, vieram todas de fora. e uma a seguir à outra até à frase, essa que me surgiu, que agarro ou tento agarrar. mas a voz - e é uma voz? - que a diz, é minha? a frase, depois de a ter dito e repetido, palavra a palavra, a frase e depois de novo, é minha?
quando parece vir outra, encadeando-se, quebra-se, suspende-se, outra coisa se junta, um trecho de uma música, uma memória - aquilo aconteceu, a memória que salta, que construo, aconteceu? - e nessa memória uma paisagem, um pormenor, a dobra de um braço, a curvatura de um peito, a vibração de uma aleta, pormenores. a maior parte das vezes um cheiro é o que quebra a frase, ou então, de repente, uma minúscula aranha preta passeando-se pela minha mão - quantas vezes as aranhas habitam o meu corpo (que fazes aqui, não vás embora) - uma folha levada pelo vento e depois o vazio, um certo vazio, nenhuma frase, nenhuma palavra, só o meu olhar sobre a aranha, a folha. tanto tempo isso, tanto tempo demoro nisso, moro nisso. tão perdido, sem nenhum pensamento.
eu, eu não, eu cá não, não senhor, eu não penso.
(agora não fui eu que disse isto, só acrescentei uma ou outra palavra, o resto, tudo, foi outro, A.A.).
tenho uma escrita a fazer, uma escrita estruturada, que apresente um pensamento, uma tese. livros e livros, leitura atrás de leitura. eu percebo, quero dizer, eu perco-me, aqui e ali; e retomo caminho. eu vou, eu estou aí, eu percebo, ou seja, eu perco-me.
sobre o que escrevo, sobre o que irei escrever, eu vejo:
há uma gaveta. abro a gaveta e dentro dela encontram-se outras gavetas, um número imenso de gavetas. abro uma dentro da primeira gaveta e nela, nessa nova gaveta dentro da outra gaveta outras mais gavetas e a primeira.
caio.
perco-me.
eu, eu não penso.
tenho mãos.
abro gavetas.

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