quinta-feira, 15 de julho de 2010

Pergunta

'I will love You forever', swears the poet. I find this easy to swear too. I will love You at 4:15 P.M. next Tuesday: is this that still as easy ?


W.H.Auden


Há quase cinco dias inteiros que ando à volta disto e de modo nenhum consegui encontrar o seu início. Lembro-me de teres dito que para uma pergunta lógica apenas existe uma resposta certa. A que nos propusemos responder, julgo eu, é uma dessas e não das outras questões em que um ligeiro virar do pescoço, dotando-nos de uma nova perspectiva alteraria a nossa condição de auditor obrigando-nos forçosamente a transformar a nossa postura e, depois de devidamente responder à questão em causa, renovarmos os nossos pareceres de certeza.
O que está em cima da mesa não é de todo saber de quem amamos, do que gostamos, simpatizamos ou admiramos. Nem sequer sobre quem recai o nosso voto de confiança para dirigir ou tratar das nossas questões políticas, sociais e económicas. A estas e outras que tais sabemos dar curso à nossa objectividade e subjectividade e responder na sua devida altura.
Não farei uma apologia do silêncio, pertencente ao domínio da poesia – encontrando-se nas palavras que constroem o poema, sabendo isso perfeitamente o rapaz da Abissínia – nem aquele devedor do argumento que nos impede de falar sobre o que não sabemos. De qualquer modo, é forçoso desrespeitar esse mesmo argumento, e também por isso se escreve poesia e ficção. O contrário seria impedir o trabalho da e sobre a imaginação e acima de tudo impedir colocar esta questão.
Qual é, afinal de contas, a pior pergunta que nos podem fazer? E cá ando em rodeios adiando a minha resposta. Estou certo que não é a existência de Deus. Sobre isso estamos de acordo, cada qual dando uma resposta que se reduz a uma questão de crença. E ou tu estás certo, o que seguramente dirás que sim e, portanto, eu errado; ou estou eu correcto, o que seguramente digo que estou e, portanto, tu errado.
Face a isto só poderei acrescentar que, não acreditando, na ocasião em que pergunto da sua existência, isto é, neste exacto momento em que te escrevo, ele (Ele?) acaba de nascer e estamos perante o Génesis neste preciso instante. Por outro lado, sendo tu um crente e perguntares-me ou a outra pessoa qualquer sobre a sua existência acabas de pôr fim ao que ainda há pouco nasceu. Seguramente esta questão estaria do lado da tal apologia do silêncio (igualmente por essa razão os livros religiosos, sejam eles os da vida ou da morte, estão escritos numa linguagem poética). Não é esta a pior pergunta, embora a ela esteja ligada uma das piores se com ela pensarmos na história do homem e as mortes com que se escreve (e sim, também há vida aí nas milhares obras de arte).
Nem sequer as perguntas que nos incomodam, se delas elegermos uma como a pior das piores, se poderá considerar como a pior pergunta. Apresento algumas dessas que poderiam ser a pior, entre muitas que procurei, e experimentemos responder, só a título de exemplo para provar que nenhuma delas é a pior, tomando por generalidade todas as outras da mesma natureza:
1) Vale a pena? Se eu gostar e me der prazer, ou não me der de todo, claro que vale ou não a pena. 2) O que queres fazer da vida? Tudo ou nada, mas acima de tudo que me dêem espaço para, pelo menos, querer ou não querer fazer qualquer coisa da minha vida. 3) Queres morrer? Não é uma questão de querer, é antes uma certeza de que vou, depois ou tomo o máximo partido da minha vida ou não e, mais uma vez, é uma questão de me darem espaço para querer ou não tomar o máximo partido dela, da minha vida. Se eu me quiser suicidar, o que têm a ver com isso e, já agora, perguntaram ao tipo que me atropelou se me queria matar ou ver morto? 4) O que há para o jantar? Quanto a esta questão, a minha mãe sempre teve duas respostas muito prontas e convenientes, dependendo da sua disposição e humor – a) o que te puserem na mesa. Resulta daí que ou comes ou calas-te ou ainda poderás ir a qualquer lado para que te sirvam uma refeição se aqueloutra não te agradar e tiveres dinheiro para ela; b) línguas de perguntador; que se realmente fosse um prato de culinária muitos prisioneiros políticos tinham com que comer e muitos inquiridores estariam mudos e sem trabalho (sem a língua do perguntador os instrumentos que falam e põem a falar ficam sem efeito). 5) Já levaste os cães à rua? Se não houver dejectos no chão, ou limpámo-los ou os cães foram à rua, de qualquer modo sempre podemos dar uma volta para apanhar ar. 6) Como quer pagar? Não quero, mas o que se há-de fazer se Deus não está aqui para tratar destas questões e não me sai o euromilhões? 7) Podia apagar o seu cigarro? Preferia fumá-lo até ao fim já que o acendi agora e como não há aqui nenhum letreiro proibitivo ainda tenho esse direito. Se houver letreiro e como somos educados saímos e fumamo-lo lá fora. Mesmo que não respondamos verbalmente, o nosso gesto de saída é já uma resposta. 8) Porque é que a água acabou? Bebê-mo-la, estragá-mo-la, não pagámos a conta, etc.. Sobre algumas questões o que há a fazer é assumir responsabilidades e procurar soluções para o bem de todos.
Como vês por cada estúpida, parva, irritante e, portanto, incómoda pergunta, a sua resposta não o poderá ser menos.
Assim, e agora sem rodeios, a conclusão a que cheguei é que a pior pergunta é definitivamente esta, qual a pior pergunta, à qual não sei dar resposta sem rodeá-la e sem dizer nada sobre ela.

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