sexta-feira, 28 de maio de 2010

poema de aniversário dos meus irmãos





para o carlos e o rui

nem sempre a infância
nos ensina ou prepara
para a distância, o laço
que a idade enfraquece
o elo tido tão forte
do sangue, brincadeiras
medos partilhados
com os quais crescemos.

à força de economia,
da morte, do nascimento
na família, coube-nos aos três
os mesmos metros quadrados
e camas, mundos, lutas
cruéis, os peidos sem pudor
e o riso longo até o grito
materno nos reduzir ao sono.

já nessa altura cada um
se separava dos outros
por um caminho
que hoje se extraviou,
um a música, outro
a pintura e a mim restou
o silêncio caligráfico
que hoje vos endereço.

guardo para mim tantas ficções
a memória das nossas vidas
em conjunto. mais gestos, jogos
do que diálogos, desses que se encontram
nas tragédias, nos cinemas
entre irmãos, tirando aquela noite
em Sesimbra, andando
de um lado para o outro.

nessa noite a palavra
irmão, no mundo, só
a nós pertencia, reflexo
da quantidade de álcool
ingerido (sempre dei graças
e cri no mote
in vino veritas e
sentados na praia não fomos excepção)

torná-mo-nos adultos aos olhos
uns dos outros. oferecendo-vos cigarros
confessaram-me o orgulho que tinham
de mim, o mais novo dos rapazes,
o benjamim, pela coragem
de arriscar tudo nos sonhos
na espuma dos dias (diria Vian)
funâmbulo de futuros.

na altura e ainda hoje nego
mas agradeço o vosso apreço
sabendo na verdade que são
vocês os corajosos, nos dias que correm,
dando duas crianças a quem não pode.
os silêncios são agora, o mais das vezes,
a nossa morada. nesta distância estou
ao vosso lado. acendo um cigarro e escuto-vos.


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