terça-feira, 24 de novembro de 2009

solilóquio no metro para casa

I

que eu morro, diz-me o outro. que desde que aqui estou e este estando mostrando-se como o meu caminhar para um fim por de mais impessoal, isto é, que não é o meu fim, mas o término que no limite liga tudo, isso diz-me a vida, igualmente impessoal. porque nesse mesmo limite, disse-me alguém, somos energia, a mesma e unificante de todas as coisas, sendo assim, ela também, a energia, impessoal.
sou então isso, essa energia que comunica imperceptivelmente com tudo, caminhando para um fim, pessoal e impessoal. mas esse caminho fazêmo-lo como se não assumirmos a coisa na qual essa energia se materializa, quero dizer, o corpo? este meu corpo que vadia a par de outros, que vê outros, toca neles, na proximidade e na distância.
eu morro, eu já estou a morrer, sendo essa morte a dispersão ou reunião, como quiserem; mas estando aqui, materializado, coisificado, aqui, neste corpo, é a partir dele, no seu deambular, que o sentido se pode iluminar.


II

se reduzirmos tudo à energia, a energia que todos somos sem qualquer indiferenciação, como ela diz, que lugar ocupa a ética na relação entre energias? se efectivamente há ética, o seu princípio funda-se essencialmente no confronto entre dois corpos que se cruzam. mesmo antes de qualquer juízo, o simples caminhar nesta terra é já de si uma tomada de posição ética, o instantâneo reparo de um olhar - a imprevista entrada do outro no meu campo de visão - dá início a um posicionamento físico, corporal, da ética. são precisos, no mínimo, dois corpos para que uma ética se crie. é a energia coisificada, por assim dizer o corpo, que dialoga ou monologa. não a energia indiferenciada.


III

mas o corpo não é (só a) coisa, o meio, o intermediário. ele é a expressão e o expresso, a enunciação e o enunciado. contudo, se isso é próprio da alma e a energia consubstancia-se nesse conceito, então afirmamos que corpo e alma são a mesma coisa, o mesmo conceito, não os separamos como se isolam duas partes que se interrelacionam, como por exemplo no signo de saussure, entre significado e significante, um a forma e o outro o conteúdo. a minha forma é o meu conteúdo e vice-versa.


IV

não alcanço nem o infinitamente pequeno, nem o infinitamente grande. os problemas e as soluções estão aqui. repito: o princípio já foi feito, já se fundou, já se afundou; o fim dobra-se sobre esse princípio já ido; o que me resta é o horizonte, que me aponta enquanto o aponto. mas eu já estou no horizonte, já somos a figura que o percorre, lá, ao longe, infinitamente pequena do nosso ponto de vista infinitamente grande definindo o horizonte por essa distância.


V

o homem chamou a nossa atenção pedindo uma moeda para comer qualquer coisa, em troca de alguns objectos que tinha em sua posse na sua mão. no fim do meu solilóquio no metro a caminho de casa, saindo pela porta, dirigi-me a ele e dei-lhe duas moedas sem pedir nada em troca - afirmo, nem o meu gesto nem eu somos exemplos de nada. duas moedas, como as que se depositavam nos olhos dos mortos para pagar ao barqueiro. duas moedas na sua mão....................................................
...............................................................................................................................................................................e o meu jantar foi decerto melhor que o dele...

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