terça-feira, 18 de agosto de 2009

a medo aberto





germinam fluidos mágicos por dentro da matéria contaminada do corpo. os ossos profundos assustados pelo excesso. sento-me no cimo do meu próprio lixo e sorrio. vou tropeçando de degrau em degrau
de andar em andar
de subterrâneo em subterrâneo. abro e fecho portas. passam os anos.

um vapor lilás imenso e transparente. que importância terá ser tarde se o cansaço do mundo não abandona a roupa. os corpos suados vestem-se de limos frescos búzios conchas triangulares protegem os sexos. os melhores sóis foram aqueles que subitamente irromperam da treva

(sempre tive medo quando começo a escrever)

tenho medo quando perscruto as iluminadas nascentes a Oriente. o gato pouco se importa que estejamos vivos ou mortos.
Yes yes the beat goes on so kind baby so kind

eu explicava-lhe que as cidades ardem enquanto os poetas disparam uns sobre os outros. horas e horas ouvindo os ruídos das distantes entranhas vivas.

uma aranha tece a manhã que os separará.

nada existe fora de mim. fazem buracos nos nossos sonhos. lentamente movo a cabeça de peixe fluorescente que me habita. vagabundo nos subterrâneos da cidade saberei eu andar. (gestos lentos. as narinas do homem tremendo. todo o comprimento da cara era uma fenda sanguinolenta). aquele que recrutámos para nos ajudar a sonhar nos momentos de ócio…umas sanguessugas castradas era o que eram.

(rodei bruscamente a cabeça tentando apagar a vertigem. escrevo-te para não me sentir só)

continuo a caminhar de cidade em cidade sem saber para onde vou. (uma abelha esvoaça contra os vidros da janela)

Fausto avançou no meio da multidão furiosa os monstruosos berços nazis.

romper o tecido da memória e espalhar as sementes do crime purificados. o reflexo das mãos imobilizadas.

vives no minúsculo jardim que se te impregnou nas mãos. (os fósforos mordidos que ele olha absorto). sorrisos em cena
STOP

(espreitava pela janela. espezinhavam lenços sujos e folhas secas de plátano como se elas fossem um vírus que nos fazia perder a Razão). procuro teu perfume. aquele colorido das luzes foi imobilizado na memória pela ausência do corpo delirante.

peregrinos de líquidos estradas disperso-me pela paisagem cidade histérica onde o travesti é cio e murmúrio escrito. medo que nos trespassa pela milionésima vez. crescem os frutos envenenados pelas mulheres sábias. sono ensanguentado.

(PANORAMICA sur la villeseringe en ciel d’écailler transparentes opiacées le port humide est à droite de la gare. sang froid qui monte à la verge dure chaque matine sans sortie sans issue il faut renaître. je voyage sans toi douleur sourdre qui me rouge jour et nuit
MESCALITO POR FAVOR
le mirage du corps déserté je l’observe. je répète: il traverse sans peur.)

um dentro do outro sorris. vestido de neblina e de rios roía as unhas e a penugem dos brinquedos. Transformam-se em pulseiras de sangue.

(je me blesse sur ton corps. cris répété. je suis le navigateur de la mémoire des indes proches de la mort. peut-être la fatigue où les poisson respirent.)

o fogo extingue-se. vive respira através das pedras nocturnas. pó acumulado nos limites da solidão e de manhã tinha o travo amargo dum fogo extinto na boca. outro pássaro mergulha no líquido que o transformava em planta leve vento vermelho.

(no lado exterior do corpo ainda não amanhecem. estamos deitados. Janelas. ele grita…

o silêncio é de medo e de sal

…ele abriu a janela. ele respira com dificuldade. uma vez mais recolhe as palavras que perdera na travessia a noite. recorda o mar)

em nossas mãos colham larvas duma escrita em metamorfose. em nossos bolsos uma faca quebrada capaz de matar.
neblina
plantas exóticas
não vejo nada
embriagado
alucinação
um pavão azulado
lambemo-nos. dormimos à sombra de uma árvore nua de folhas. o som das mãos apaga-se junto à boca. alguém fotografa alguém.

(escrever é um acto nocturno. assusta-me (ele fala com os animais da noite e a boca estreita como lâminas separam-se de novo ao amanhecer) contam que um dos seus amigos lhe pediu um copo de água.)

há uma cidade por baixo da pele e uma casa de sangue coagulado na memória atravessada por canos rotos e um corpo pingando mágoas. onde estarão as tâmaras maduras de tuas palmeiras? morrem à beira de minha boca.
da terra sobe um murmúrio de húmido coração. espalham-se estrelas cadentes. em mim nada secou. é tarde meu amor. a noite chega-me irrequieta de cíclicos ventos da boca das areias desmoronando-se irrompem. (quase noite amo)
há sempre um rio no fundo de cada sonho. o olhar saboreia o morno vinho. na verdade estou derrubado ao alcance está o revólver. espio o anoitecer.
MANTER ESTE LADO PARA CIMA

olhar vazio varrendo a multidão.

(vagueio pela casa. vou levantar-me e morder um pêssego.
mais tarde desembaraço-me do sumo inoxidável doutra faca.)

a vegetação meticulosa. viajámos sem rumo. nada sabia ou sei acerca da morte e os secretos poços dos nómadas.
procurei dentro de ti o repercutido som do mar. todas as insónias foram estradas dúcteis a percorrer transparentes paisagens tecem-se em mim. caminhamos ainda do sonho e do ouro utópico chegará a metamorfose. espantaremos as feras ruivas que rondam a noite da casa
as bocas erguem-se
as plantas deslocam-se
junto ao ângulo penumbroso da casa destruída uma sombra corre sobre o orvalho nas vertentes da colina lateja.
por hoje chega
nenhum vestígio
nada mais possuo
por isso vai pela ponte
por detrás dos cinzentos aguados
devagar
pelo negro.

é ainda excessivo este crepúsculo.
ergo o olhar para os tectos. caminho para a noite mas não tenho frio a paisagem decompõe-se em estalidos líquidos. durante a noite é nítido o ladrar dos cães.

não tenho medo de morrer aqui. ignoro o mundo e a noite que o envolve devora. desconheço o nome da ave que pia durante a noite. que habitação é esta?

(mantenho-me imóvel. imagino o mar ao fundo das ruas. com frequência avisto no espelho um peixe luminoso noite de pedra)

nos teus braços esculpidos no vento me recolho. as mãos irrompem em forma de flor e o meu próprio esquecimento… estou desatento ao que se passa comigo
calo-me
por vezes consigo acordar-me
interrogava-me.

(para que não se apegue esta trémula escuridão espio a dor salgada com tua jaula cheia de luas mansas)

fazia-se tarde
penso na morte
a língua dos limos
noite dentro teço nos lábios a líquida alegria dum fabuloso peixe com um estrondo de lume que estilhaça. anunciar a noite com a ponta de um punhal de veludo. tingir a ponta dos dedos e do sexo e crescerei das fecundas terras ou da morte.
hoje é dia de coisas simples
as palavras sujas com dedadas
com as marés da noite para regiões onde o sonho existe nem mesmo a infelicidade com seus olhares alados e morderem fogos por descuido acesos no húmido leito de juncos.

(ouço-te. regresso a mim. preparo-me para segregar a pérola do sono eterno. eis a última visão do deserto é morna a temperatura no interior da casa. atravesso relâmpago esquecido na veia óssea da noite. esperei o sono com suas pálpebras vegetais e a paixão que suspeito ter. a cumplicidade das águas o enigma de escrever para me manter vivo.
pulsando)

lembro-me
não te assustes
estava a ouvir-te
enquanto o olhar vai sorvendo e sorrir a todos os desconhecidos
imutáveis
mas nada posso corrigir
hoje não me lamento. pediste-me um cigarro onde a memória te imobilizou. aqui te faço os relatos simples a boca magoando-se nas visões das viagens no receio de nunca chegar.
com o coração em desordem
e a noite
sem destino
a vida da selva a flora mole dos pântanos e chegavam agora ao sonho por vezes. morro longe do mundo e não acredito. nada me ensinaram. pertence-me esta fulguração de ouro sobre o rosto que a dor se me agarre às mãos que toquei ao procurar-te.
reconheci-te
apercebo o lume de um coração antigo e simples sob o peso de uma lua artificial que nos devassa os umbrais do dia morrendo.
tenho tempo

(cada um de nós espreita por uma janela. lá fora começou a chover o amargo sabor deste país contaminado. derramam-se quando tua ausência se prende às veias).

escuto o rumor da terra molhada sem se ferir no esplendor breve do amor. não quero mais perceber as palavras nem os corpos a beleza de noite desprendendo fogos. vem deitar-te comigo no feno dos romances

(frente ao espelho descubro que sou o único a saber que a morte é um relâmpago suspenso sobre o coração).

amanhece
a eternidade
tornei-me nómada
o tempo arde
é o susto
dizem que estou a enlouquecer a indelével respiração do poema
numa faca
no silêncio obsessivo das horas
esse zumbido interior
a vida quase toda.
nunca mais passei o dia prostrado
e no entanto
levantei-me.
a estrada é um lugar qualquer onde me encontro mentalmente sempre de passagem. o melhor é não pensar. não tenho medo da visita dos mortos.
nada de ideias
quase nada.
o que me rodeia cansou-se de mimo que mais desejo é não me encontrar em lado nenhum da memória. eu decidi não morrer aqui. percorro o deserto das tuas mãos aceito como única fala possível aquela que é susceptível de rasgar pulsos. sinto-me desequilibrado.
silêncio sobre silêncio
escurece
perder todo o tempo de que disponho e saio para a rua e mato alguém nesse simulacro de inferno. e lá chamam triste gritos de crianças derrapagens estridentes
de resto o sol ter-me-ia sido fatal.
esperava-te
a noite corrói
não estou a enlouquecer
o corpo exausto
então lembrar-te-ás de mim
diz o que te der mais jeito
mel
pai
enfim olho a vida como se o mundo desabasse dentro de instantes. olhava-te minha mulher a dormir
não sei
e tive medo
o que é o contrário da árvore triste
já não me lembro bem. traz a consciência da quotidiana morte de deus?
e apaixonados? mesmo que nem me olhasses onde cintila a faca acorda.

(escrevo-te ainda lúcido. acordado. noutro corpo escrevo-te)

onde dizem que tudo existe se transforma e continuo vivo no interior de corpos limitados e sólidos a cor faz-se luz a ferver o maligno vento no mais remoto isolamento da memória. aquilo que vejo e observo. ponte escura…)

(acordo em sobressalto)

…bebes para te matares
lentamente
entre elementos e leis físicas cuja vida se desprende do centro da terra.
não penso. regresso ao sonho onde sabemos que estamos vivos ou condenados a este corpo.
(levantei as mãos no espesso húmus da pele mergulho a cabeça. fecho com força as pálpebras. perco o olhar na paisagem esquecido sobre o espelho dos oceanos e à reinvenção do mundo nas frágeis arestas do tempo no esplêndido halo da água de abandono e desolação de templos há muito despovoados de mim. o tédio e a manhã chegaram mais cedo onde o mar desapareceu)

tudo se despedaçou anoitece sobre os ombros não há mais riso naquilo que escrevo. só se morre nas imagens. o poema não será escrito. são três os poemas que não ousarei escrever. o tremor dos nervos alastra pelos músculos e o mundo poderia desabar em cinco minutos. nasce uma vida de infinito caos.
não pares
vai
deixa lá
os corpos incendiados um no outro
a casa
repara
caleidoscópicos jardins aguçadas esquinas
eu sei
mas se te nomeasse o que o vento norte escreveu sobre as dunas de um país sem que o suspiro estalasse de luminosa sepultura
depois
ao fundo
nem o teu nem aquele outro
com as violetas das areias
o sonho a revelação desta arte rente aos lábios silenciosos
e a morte existirá ainda e o cais do esquecimento onde embarcámos onde abandonámos os corpos a sonhar o destino deste corpo à procura do amanhecer na longínqua treva do mar. a terrível traição do pássaro incendiado e o rio por onde partem as noites de cansaço ergue-se para o espelho. dentro do sonho segui-las-emos ao amanhecer sem cessar.
nomear-te
um para o outro
lúcido e apaixonado
vem comigo para a cegante claridade das ondas de labirinto em labirinto à passagem regular dos comboios e das sombras com um tigre prodigioso cravado nos ombros. agora tudo é muito diferente. o olhar desce aos gestos inacabados e já não têm voz de sangue do alcance do olhar à portado meu próprio inferno.
escuta
ouço o rumor do vento
da loura criança em ti assassinada
na comissura dos gestos inacabados que te avocam o rosto.
(regressava de um corpo onde a memória desse tempo sem palavras já nada estremecia)
colhe o silêncio do que está morto e dos homens alargue o passo atado num fio de seiva ou ficam assim azuis serpentes de bocas floridas. acende uma gota de eternidade no amaro peito mente ao poço da infância tem o olhar escondido na inquietação da luz.
a abóbada de infinita noite desde os alicerces à veia da noite telúrica pousada sobre os joelhos.
pela primeira vez tudo recomeça a doer
os dedos habitados ainda por flutuantes mãos. a terra mostrou-te um coração traçado a giz onde a beleza arde na treva cegando os sentidos. enterra os dedos na penumbra que separa o dia. abre agora as pálpebras no quarto escuro. fulgura o indício do magoado desejo. talvez não haja mais palavras depois em teu peito adormecido como um rio seduzindo o que no silêncio escuta duma idade em a fala e os gestos eu já não perguntam nem respondem nem sorriem.
ouve-me
noutros tempos
nesse instante
intransponível
dos amantes ocasionais
dizem também
por cima dos sentimentos e dos móveis
o voo é demorado
durante a noite
ao fim da tarde
nenhuma palavra será adiada ou dita como dantes
a perder de vista

levanta os olhos e a boca
arde-me o coração
sim
junto ao coração
diz-lhes que vives junto ao mar onde deus tem que ser substituído rapidamente por poemas sílabas sibilantes lâmpadas acesas corpos palpáveis vivos e limpos.
a dor de todas as ruas vazias lugar derradeiro do riso contra a solidão do corpo
enfim
um império de navios vazios nem pão nem salas e das coisas tristes da memória
mas
desate a fulgurar antes e depois da alegria
por dentro do clamor da noite (a noite está próxima)
olhando o brilho da lua jorrando águas
tudo o que nos resta é começar a imitar a vida um do outro e digo: que tudo se afogue na gordura das manhãs que tudo silencie… e uma língua de fogo atinge os livros que não escreverei
a qual dos demónios me vender?
ou de matar?
o que morre quase não faz falta

(espero que o vento passe)


é através da memória dos outros que recordas o rosto que tiveste. abre agora os braços. teria sido diferente num outro país? para que servirá contar-te todas estas histórias? quem sabe o que nos espera no fim desta viagem?
não sei contar histórias
uma aranha tece o esquecimento
não me lembro o que aconteceu a seguir
não vale a pena estar triste. conheci um homem que possuía uma cabeça de vidro fora das muralhas da cidade para te vigiar a alma ao anoitecer.


2002
A partir de Medo de Al berto

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