terça-feira, 18 de agosto de 2009

António Maria Lisboa





os meus olhos são duas garrafas de vento
com um girassol insuflado
na menina dos olhos

sei que dez anos nos separam e pedras
sobre os ombros da experiência feminina e masculina
e isso vê-se sentados ao sol com a pele húmida

a cada momento corremos grandes riscos
com água até ao pescoço
e fogo pelos cabelos
e o ar furando os pulmões
e a terra a trocar os ossos
mas sur l’onde
calme et noire
où dorment les étoiles
nous crevons un désir
pas étrange pour être le notre
mais toujours inconnu et trop simple
como arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
ou contar a vida pelos dedos e perdê-los
debaixo dos lençóis
onde estão os lábios da nossa vida e onde HÁ uma porta minúscula
feita de fetos com um batente de cuspo rodeado de pêlos
queres entrar? já entrámos
para todas as noites da eternidade
passo por passo

uma criança chora
a mais bela mulher canta uma tristeza infinita e habita o mar
mas que mar tens à tua frente?
e a criança é porca, é inútil
por vezes magoa-te mas é sem querer
ela ama-te e deseja-te objectivada
em gesso a morder o cio na boca
(é só uma expressão, não faz de ti objecto)

olho o papel e penso em ti há horas
podes contar as linhas do poema
lês em segundos e ele pode ser escrito em segundos
ou levar uma vida inteira
olhando uma paisagem em frente e ver um abismo
onde te sonhei para beberes estrelas
numa unha branca a viver assim despreocupada
e eu por baixo feito carne amparando a unha
apenas um Bicho a povoar o tempo rodando até à fascinação
meu amor
trago-te Brilhante-Estrela-Sem-Destino coberta de musgo
ESTRELA DE TODAS AS HORAS-ODASASHOR-ASEST-R
eu sou a terceira meia-noite dos dias que começam
sem brilho
de barba
nada de especial
a não ser para ti

olhar é desaparecer.

2003
A partir de Poesias de António Maria Lisboa

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