terça-feira, 17 de março de 2009

Poema de amoreiras

aqui ficou
mais sentido retrato; deu-me cabelo revolto, barba de dois ou três dias
pelo vazio do combate e o vento tão frio do inverno

conheceu o oculto dos sentidos
sempre pronto a apoiar levemente a mão num ombro – nesse
firme enredo
de uma vida – a minha, a tua –
e insisto no cuidado do registo. um pássaro de dezembro
que me chegou a cegar «não vai ser nada.
são filhos de muitos homens as palavras. e tu sabias todas as palavras
das patas de uma aranha
nos seus dois longos braços
que somente o sonho permite conhecer
chegando o outono
para que lhe pudesse dizer, no final de um silêncio

e o enleio do seu andar na vida é o mar

risquei-os para mim, mesmo sem o saber risquei-os para ti.
um corpo
a noite de hora tardia

um rosto de papel sujo
passou por mim e riu-se
manchado de neve e de lama; e todo o braço, a fuga
resina triangular dos lábios
quando, por inteiro, nos pertence
nesse instante
de quem esperava
esperando-te em qualquer lugar pela manhã
inteira e sozinha nos veios da floresta


A partir de Jardim das Amoreiras, de João Miguel Fernandes Jorge
2009

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