segunda-feira, 2 de março de 2009

a cigana e o vagabundo

Os acasos têm destes mistérios, se os mistérios se considerarem acasos. Talvez convenham as palavras «encontro fortuito», mesmo que sejam apenas um sinónimo de acaso misterioso. Imaginem uma paixão que nasce entre uma cigana e um vagabundo. É disto que se trata. Mas imaginem rodando os órgãos do vosso corpo, ou apenas a faculdade da imaginação. Mudem-na. Coloquem-na no vosso coração, talvez vejam melhor assim.

Ela, uma pequena e morena cigana, de unhas pintadas mas sempre com o verniz raspado da distracção dos dentes, oráculo de uma cidade amuralhada, vidente de tempos desenhados ou colados.

Ele, um míope e barbudo vagabundo, de dedos manchados de tabaco forte e feridos de nervoso e pensamentos, fantasma das ruas da mesma cidade, silencioso ébrio cantor de memórias perdidas.

Estávamos no mês da deusa Maya, entre chuvas e sóis ocasionais. Podemos vê-los, cada um na sua bicicleta, circundando a cidade nas primeiras horas de uma manhã. Sorrindo. Pedalando sem pressas. Ele já perdido de amores. Ela sabendo-o apaixonado mas sem crer na sua própria sina. Também as aranhas, essas parcas, caiem em teias alheias.

Pouco tempo depois, mas não muito, estranho episódio, partilham uma mesma cama, um sono, uns beijos. Ele diz-lhe um segredo, esse que já sabem, baixa-lhe as defesas num só golpe. Ela assusta-se, habituada que está a olhar a sua vida olhos nos olhos, a ser a sua própria dona, a controlar, embora se sinta inacreditavelmente confortável.

Os dois nómadas vivem agora juntos na mesma casa, certos de que os contos de fadas não são para eles, mas para princesas adormecidas e príncipes de passagens, únicos imortais da felicidade. Eles, ao contrário dos outros, têm de conquistar os seus dias e ser os seus próprios narradores.

Portanto, não era uma vez, é ir sendo até ao fim.

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