segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Herman Melville - as ilhas encantadas





O mês passado disse que tinha um livro sobre mar e ilhas para vos falar. Pois chegou a sua vez. O seu autor é bastamente conhecido, creio que todos já ouviram pelo menos o nome da sua obra maior, Moby Dick – o primeiro livro que me trouxe imprevistamente lágrimas aos olhos e, por essa razão, tenho um enorme respeito pelo autor e não falarei desse livro, nem este é o espaço para isso, não é verdade? A não ser que pudesse oferecer uma lágrima que verti… Mas quem não sabe quem é a baleia branca dos pesadelos e do dia-a-dia do capitão Achab? E se não leram o livro, quem não viu já uma imagem que seja, até mesmo do Walt Disney? Mas Melville não escreveu, obviamente, apenas essa epopeia dos tempos modernos. Na verdade foi um escritor prolífico, escrevendo romances, poesia e ensaios.
Nascido em 1819 nos Estados Unidos, em Nova Iorque, cedo embarcou em várias viagens à volta do mundo, confraternizando com as mais variadas nacionalidades de marinheiros (portugueses incluídos), correndo todo o Pacífico, vivendo entre canibais das Polinésias, participando em revoltas náuticas, tendo sido preso, e fugido, no Tahiti. Tudo isso lhe dá temas para explorar nas suas primeiras obras literárias, Typee (1846) e Omoo (1847), conseguindo ambas boas recepções da crítica e conforto económico. Escreveu depois mais três romances, seguindo o mesmo curso temático, embora o primeiro destes três, Mardi (1849), evidenciava já uma busca de Melville por oceanos mais profundos, preocupando-se com um tom mais introspectivo das suas personagens, o que fez com que o público, ansiando por mais aventuras além-mar, não aceitasse com tão bom grado o romance, obrigando o autor a recuar nas suas próprias aventuras literárias para o gosto dos leitores. Infelizmente para Melville, tinha começado já aí o seu silêncio. Quero dizer, o seu não mas, o do público, porque em 1851 das suas mãos sai o fabuloso Moby Dick, que apenas no século vinte será reconhecido como o maior romance americano do século XIX. Daí até à sua morte, Herman Melville não deixará de escrever, embora morra em quase completo desconhecimento, tendo mesmo o jornal The New York Times no seu número de 28 de Setembro de 1891, nas páginas de obituário, noticiado a morte de “Henry” Melville e não Herman, o seu verdadeiro nome, como já sabemos.
O livro que agora tenho nas mãos e vos tento (igualmente no sentido de tentação, sedução, este tento) falar, As Ilhas Encantadas, embora aparecidas na revista Putnam’s Monthly, de Março a Maio de 1854, e correntemente integradas no volume de contos The Piazza Tales (1856), onde podemos encontrar esse humorado e intrigante breve texto Bartleby, o escrivão – personagem de eleição de alguns filósofos contemporâneos como Deleuze e Agamben, e que antecede em meio século todas as personagens do mundo absurdo de Kafka com a sua estranhíssima resposta pronta para tudo: Eu preferia não; podendo ser lido pela Assírio & Alvim, incluindo o ensaio do citado filósofo italiano Giorgio Agamben – chegou apenas a nós no ano 2000, isto é, 146 anos depois (demasiado tempo, como sempre). Não é também das suas melhores obras, faltam os poemas, o romance póstumo Billy Budd e, porque não, o volume completo The Piazza Tales. As Ilhas Encantadas é, acima de tudo, um livro para quem gosta realmente de ler, para quem ainda mantém um certo gosto por aventuras de alto-mar ou o fascínio infantil do desconhecido, com marinheiros e descrições das noites entre ondas ou terras que talvez nunca veremos. É, como muitos outros livros deste autor, um relato romanceado e com muita pesquisa por trás da sua feitura, intercalando ilusão e realidade, ficção e verdade. Ao longo do conto, transportados para o século xix, percorremos o arquipélago, mais conhecido por Galápagos, de ilha em ilha e por cada uma Melville revela-nos segredos retirados de diários de capitães e piratas e mistura-os com as suas memórias e a imaginação que com esse material consegue produzir. Outras vezes adapta histórias antigas dando-lhes novas interpretações, novas imagens, nova vida. É, no fim de tudo, um bom livro para nos aproximarmos desse norte-americano do século xix, descobrindo o meticuloso trabalho da língua, o vasto conhecimento do mar, das terras, dos habitantes, da cultura e da história da humanidade, bem como da alma humana (embora essa investigação maior se realiza com meticulosa profundidade em Moby Dick).

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