segunda-feira, 31 de outubro de 2022

cantiga de amigo

não creio que te conheça
os traços esbateram-se com a distância
afeiçoando o rosto à estranheza
do encontro de céu e água
por trás da cinza do nevoeiro
das frias manhãs de outono junto ao Havel

não creio que conheça o meu nome
pela tua boca chamado ao fundo da rua
como desconheço o que nomeia o som
do choque das pedras roladas pelas vagas
se alguma vez o pronunciaste
no tom harmónico muito depois do álcool
ter secado os lábios
não creio que conheça a tua voz

não creio que conheça a tua mão
à ombreira de um abraço
adiando a brevidade da despedida
que será para sempre         não creio
que conheça o músculo cansado da melancolia
a fazer sombra a este poema
ao longo das langorosas autoestradas da Europa central

que nos tenhamos conhecido
coisa rara
irmã da neve em Lisboa
amor declarado de um gato
é uma possibilidade         que um dia se tenha dito 
amigo
seria abrir os mares para que nos encontrássemos

Sem comentários: