quarta-feira, 4 de agosto de 2021

laranja

roubo um deus do seu orgulho
num deleite ocioso         ofereço
uma laranja dourada ao meu irmão
de olhar quebrado         pouco antes de partir
desta terra adormecida pelo sol
eu ouço a sua voz na rebentação
na chuva de agulhas de areia
na seara seca e suas casas
abandonadas como ilhas
prenhes de memórias e esta laranja
obra de cioso jardineiro 
                                                          na mão do meu irmão
atracado a uma rocha e batido
pelas águas e correntes
vai seguindo à deriva de um passado
despelando as lembranças
desconfiando do que dá fruto
com os polegares dividindo
o corpo doce a escorrer como cêra
as suas lágrimas com certa acidez         desdenhando
de um consolo         tomado pela sua dor
eu emudeço         com um abraço
despeço-me da sua rendição
avanço por este jardim
onde tanta beleza e frutos 
dá vontade de chorar

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