sábado, 8 de dezembro de 2018

Galway Kinnell - IX, O trilho por entre as pedras



1

No trilho sinuoso
a subir, a caminho do alto vale
das quedas-de-água e prados primaveris
submersos e partidos por cascos,
onde as raízes-de-peixe fervem
nos últimos graais de luz sobre a água,
e víboras salpicadas de ânsias de voar
panejam as pedras negras sibilam pês! pês! – terra
de penas
e tinteiros de caveiras cheios de águas negras –

chego a um campo
luzindo de mil peles escamadas
de pontas de flechas, pedras
que estremecem e saltam
para se doarem aos corações partidos
dos vivos,
que de retorno se dão, quebrados, às pedras.


2

Fecho os meus olhos:
nas praias onduladas pelo calor
onde as colinas descem aos mares,
a luminosa
poeira da praia triturada do funeral de conchas,
posso vê-las
a viver sem mim, morrendo
sem mim, as pedras
com a forma
de asa e ovo, partidas
cascas-de-guerra de conchas guerreiras mortas,
cascas de imortalidade de orelhas-de-cão
onde enormes constelações de limo, à lua cheia,
contorcem mais um
manto de invisibilidade num cisco de areal,

e as ágatas caídas
de círculos arranhadas até ao pó
com o clique
de um osso-de-desejo a quebrar-se, globos
que rodopiam para dentro e que nunca mais se abrirão biopsiados de pôres-de-sol,

e essa pedra abolachada
que saltou dez vezes sobre
a água, subitamente começando a correr à medida que se afundava,
e os zeros que deixou,
que se cruzaram
e passaram uns pelos outros, eles próprios
suavizando-se a partir da água...


in Galway Kinnell, The Book of Nightmares, Boston & New York, Houghton Mifflin, 1971: 65-66.

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