Desse tempo numa prisão do Sul,
quando o xerife, enquanto me injuriava
e cuspia, tomou a minha mão na sua, balançou
as espirais a partir das polpas
e as arcadas em tenda num reino tornado tabu, essa subvida
onde os canários do sangue cantam, esmagou
as flores-de-carne
no livro sujo do
registo policial, depois do que me lembro mais
foi a atenção, a quase amorosa
gentileza animal da sua mão na minha.
Melhor que qualquer um de nós, ele conhece
a severidade desse cubículo
no inferno para onde te lançam
com todos os teus desejos não reduzidos, e sem qualquer corpo para os aplacar.
E quando ele próprio flutua dali para fora
num mar que quase começa a se lembrar,
flutua rumo a umas trevas que já conheceu;
quando o gemido do vento
e o arfar dos pulmões se chamam um ao outro por entre as ondas
e o desejo de flutuar
acaba por não interessar nada à medida que ele se afunda,
será assim tão impossível pensar
que ele sonhará de volta com todas as mãos pretas e brancas
que tomou nas suas
tal como a criação
lhe toca uma última vez em todo o seu corpo?
6
Supõe que fiquei
com essa mulher de Waterloo, supõe
que nos encontrámos numa colina chamada de Safa, no nosso próprio país,
que nos deitámos na relva
e olhámos para a cegueira de cada um, e sombras-de-folhas
balanceando sobre os nossos corpos nas derivas do sol,
os nossos rostos
inclinados para o do outro, como galinhas
inclinam as suas faces
quando o calor aflui do ovo aquecido
de volta ao próprio ser, e a lua de prata
suspendeu-se para nós no meio do paraíso –
creio que teria fechado os olhos, e mover-me-ia
daí em diante como o nascituro cego,
os seus rostos
já idos para o paraíso.
7
Nós que vivemos as nossas simples vidas, que pomos
a nossa mão na mão do que quer que amemos
enquanto desaparece,
como nós desaparecemos,
e tropeçamos em direcção ao que virá, apenas porque chega,
uma espécie de destino,
um campo, talvez, de pedras lascadas
espalhadas à luz das estrelas
em que a carne
enfaixa o seu esqueleto uma última vez
antes que os ossos sigam o seu caminho sem nós,
não ouviríamos, mesmo assim,
o chamamento do urso
desde a sua colina – um chamamento, como o nosso, ansiando
por ser respondido – e o urso-da-represa
chamando de volta através das trevas
do vale do não-saber
a única palavra as línguas formam sem intercessão,
sim...sim...?
in Galway Kinnell, The Book of Nightmares, Boston & New York, Houghton Mifflin, 1971: 59-61
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