terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Thomas Bernhard


Título: Correcção
Autor: Thomas Bernhard
Editora: Fim de Século
Tradutor: José A. Palma Caetano

          Não tomemos a nossa vida por garantida, nem creiamos que no-la foi oferecida. Nunca nos sintamos concretizados, nem prontos para o descanso. Não. Nunca. Até ao fim não há plano, somente aventura, polimento, o arremessar de forças, até ao esgotamento, avaliar, avalizar, corrigir, atentamente corrigir justo ao fim, ao último sopro, podemos sempre mais, podemos sempre melhor. Há sempre uma vírgula a mais ou a menos; reparemos atentamente, corrijamos, corrijamos melhor (diria talvez Samuel Beckett).... Este livro vem no seguimento dos outros dois apresentados anteriormente nos meses passados, tem tudo a ver com a vida, com o modo como a vivemos, com o que queremos dela, isso que é o mais impessoal em nós – porque a vida percorre tudo o que é orgânico e inorgânico – e que incessantemente tornamos a coisa mais pessoal – é sempre da minha vida que falamos, ou da tua, ou a de alguém preciso, mas ela, a vida, é impessoal e o mesmo não quer dizer que haja a liberdade de tirar ao outro, a qualquer outro, não sejamos ingénuos nem torçamos o argumento da impessoalidade, tenhamos a coragem de ser honestos quando discutimos ideias, por favor.
          O autor desta brilhante obra, Thomas Bernhard, não precisa de apresentação, já aqui apresentámos outro livro e dele só me resta dizer que lamento profundamente não saber a sua língua para o ler no original. Porquê? Basta ler essas páginas que tantos passam à frente – as introduções ou as notas dos tradutores – e logo a questão se desvanece. Em Portugal o grande tradutor de Bernhard é José António Palma Caetano; e basta ler as suas palavras para imediatamente nos convencer ou suscitar a curiosidade para o original. O que é, afinal, uma escrita musical? Ou ler um texto como se estivéssemos a ouvir uma sinfonia, com o seu mote, as suas variações, o tempo, o ritmo, os forte, os pianissimo, adagio, lento, os presto e os scherzo, etc., etc. Se, na tradução, encontramos os sinais dessa escrita no enrodilhar de repetições frásicas, na idiossincrasia bernhardiana, imaginem, pois, nessa língua compósita, que avoluma, aglomera conceitos e nos oferece palavras deslumbrantes, duras como pedras, misteriosas como caixas de música?
          “Correcção” tem uma estrutura narrativa, ou aquilo que nos possibilita a sinopse, extremamente simples, aliás como todas as obras de Thomas Bernhard: o narrador decide ir a Altensam, sua aldeia natal e de mais dois amigos, Höller e Rothaimer, após o suicídio deste último, seu amigo de infância mais chegado. Ambos são professores em Cambridge, porém Rothaimer, como muitas das personagens “principais” de Bernhard, é um homem inquieto e insatisfeito, nada sedentário e sempre em movimento entre a terra natal, que odeia mas sempre tem de voltar e a terra escolhida, que ama mas sempre tem de abandonar. O narrador no seu retorno a Altensam decide pôr em marcha uma biografia/ensaio sobre o pensamento de seu amigo e decide hospedar-se na casa de Höller, outro amigo de infância, no mesmo quarto que Rothaimer ficava pois este detestava a sua família, excepto sua irmã. Höller tem um papel importantíssimo para Rothaimer, que tem um papel importantíssimo para o narrador, mas entre este e Höller só a memória existe. Höller construiu uma casa sobre a embocadura de um violento rio e a partir desta louca ideia Rothaimer decide construir uma casa para sua irmã em forma de cone, segundo extravagantes e filosóficas ideias arquitectónicas. Esta é a primeira parte, “A sobrecâmara Hölleriana”, a segunda, “Examinar e ordenar”, trata do pensamento escrito, um caderno de Rothaimer como súmula do seu pensamento sobre tudo, ou seja, sobre a Vida, após intermináveis correcções, inacabado pelo seu suicídio.
          Nada disse, esta não é a história de “Correcção”, façam o favor de ler. Adeus.

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