terça-feira, 14 de março de 2023

transposta a noite

transposta a noite
resta um grão a abrasar o cálamo
entre voz e mão

um sonho
derrama-se como mercúrio
sobre a vida

veneno
poema a poema
deserto e fata Morgana

transposta a manhã
a certeza do retorno da dúvida
para quê para quem

imerso os olhos
nas pedras procuro o rosto
de deus

2 comentários:

Graça Brites disse...

Mas deus não está em casa. Saiu. Eu sei porque já fui à procura dele para o poder odiar.

fernando machado silva disse...

cara Graça, muito obrigado pelo seu comentário. eu não queria entrar em debates teológicos, mas sinto-me forçado a responder.
como poderá ter reparado escrevi "deus" com minúscula, não por qualquer motivo recriminatório ou displicência, apenas, por um lado, motivos culturais e, por outro, falta de melhor palavra. este não é o deus das religiões institucionais, personificado, antropomorfizado. teria sido melhor usar a palavra da filosofia vedanta - Brahman; que determina Isso que é pura e infinita existência-consciência-êxtase (satchidananda), que pervade tudo e todos, inalianável e inseparável da criação e dissolução desta e de qualquer outra realidade. poder-se-ia dizer que Brahman é o Real sobre o qual se projectam todas as realidades possíveis - a sua, a minha, etc.. nesse sentido odiar "deus" seria odiar-se a si mesma, a tudo o que ama, amou ou pode vir a amar. a graça é a casa de deus, se procura noutro lado esquiva-se de apreciar a própria existência, não a "sua", mas a existência que se apropriou denominando-a como sua, com todas as máscaras que a si projecta ou a si projectam - máscara de mulher, filha, irmã, neta, esposa, trabalhadora, portuguesa, etc, etc, etc.
na verdade, nem sequer se pode odiar deus, apenas as ideias que disso se tem e sobre o que disso se fez...

de qualquer modo, muito obrigado pela sua visita e comentário
um abraço