eu fui amada
com o meu corpo tornado terra
indiquei ao homem onde a semente encontra
a pacífica morada
sob claros céus abertos para o sol como levar
a mão à minha face
acariciar as searas dos meus cabelos
as colinas de abetos bétulas e faias
trazer aos lábios a carne do fruto
e deixar que água
de fonte frescas me lave
do pó
eram-me dedicados como bichos-
de-seda
preparando as vésperas do abandono
eu provia-lhes mel e leite
bagas raízes confiança
para aceitar a noite
e a lua soprava-lhes um roteiro
para os sonhos e as histórias
escritas nas estrelas e assim enfrentarem
a morte diária
até ao renascer do sol
juntaram lama e palha de acordo
com o dito de rarificar o excedente
colher com uma mão semear
com a outra ergueram barracos também
para todo e qualquer outro
cega de orgulho dei a ver
os meus segredos
descobri a minha intimidade
crendo que o tacto apreciaria a ganga
tanto quanto o ouro e todo o meu amor
foi mordido aviltado tido a fundo
perdido
já uma vez me tinham roubado uma filha
e fui forçada a ceder a sua partilha
partindo para uma estação no inferno
mas nada me feriu quanto o esquecimento
a escravatura a que os homens
(meus filhos) me votaram
talharam e circundaram
o meu corpo possuindo-o e nomeando-o
expulsaram os seus iguais como pedras
num caminho levantaram muros
para ruir e avançar como reis ladrões
os livros que escreveram para justificar
as suas venturas interpretaram
mal os meus dons
e o que uma vez disse depois passado
de boca em boca até a memória
se ter tornado letra foi moldado ao seu gosto
tudo sou eu e eu sou tudo e tu foste
criado à minha imagem
(que é uma ideia que é uma essência
sem gregos e escolásticos)
mas com todos os seus sentidos voltados para o exterior
na contemplação da matéria e da ilusão
nem sequer realizaram como sou amorfa e inominável
e sempre assim serei
agora pernoitam num império
de ossos lixo e podridão
perdidos no vazio
numa queda sem rede e narrativas
e eu ainda em ti estou por trás
da voz que diz eu eu eu apenas
tens de caminhar mais para dentro
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