quarta-feira, 11 de março de 2020

que palavra passou além da barreira dos teus dentes? (cont.)

IV
(beijando-o repetidamente como alguém que à morte escapara
e falando dirige-lhe palavras apetrechadas de asas)

Homem já não roda ao longe
como disse o aedo outrora
                                             o outono         está nas dobradiças das nossas vidas
a água do rio passa por ti
lava a tua carne e ossos
e quando enfim a decisão tomar conta
porque já tudo pesa do teu coração
ou do teu cérebro                                   nenhum olhar
reconhecerá o teu rosto         deixa que te apraze
a cama o lar a brasa nas cinzas
a minha voz o meu silêncio         permite que eu escute
porque sei         Homem
                                       no teu peito está sempre um pensamento
senta-te à mesa com o cão aos teus pés
pega na linha que o aedo te deixou livre
e canta a vida que foste e és ainda a ser

e outra coisa te direi e tu põe-na no teu coração
detesto repetir aquilo que já foi contado com clareza
não leves demasiado tempo         a solidão e a espera
queimam sem rasto a candeia do amor

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