sexta-feira, 29 de março de 2019

Galway Kinnell - X. Ultimidade (cont.)



3

Andando em direcção à ravina sobre
o rio, eu chamo pela pedra,
e a pedra
chama de volta, a sua voz caçando por entre os seixos
pelos meus ouvidos.

Pára.
À medida que te aproximas de uma ravina
ecoante, pressentes a linha
na qual a voz chamando a pedra
não responde mais,
torna-se pedra, e nada retorna.

Aqui, entre resposta
e nada, estou, nos velhos sapatos
que fluíram sobre arco-íris de óleo de galinha,
cada sapato amparando os ossos
que se enrugam juntos em comunhão
com o passo,
e que abrem
à frente em dedos, todo o pé buscando
dissolver-se no futuro.

O barulho de cascos de alces.
Enquanto a esfera superior
se esvaziava a si mesma? Será verdade
que a terra é tudo o que há, e que a terra não dura?

No rio o mundo flutua segurando-se num cadáver.
Pára.
Pára aqui.
A vida leva-te à morte, não há outra estrada.


4

Este é o décimo poema
e é o último. Está certo
no fim, esse um
e zero
saindo juntos,
caminhando para o fim destas páginas juntos,
uma criatura
partindo lado a lado com o vazio.

Ultimidade
é claridade. É a claridade
reunida de tudo o que veio antes. Perdura.
E quando de facto acaba
não há nada, nada
fica,

na ferrugem de carros velhos,
no buraco aberto no corpo do Arqueiro,
na névoa de rios cheirando a fadiga das pedras,
os mortos deitam-se,
esvaziados, enchidos, no princípio,

e a primeira
voz vem de novo ansiando das suas bocas para fora.


in Galway Kinnell, The Book of Nightmares, Boston & New York, Houghton Mifflin Company, 1971: 72-74.

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