domingo, 20 de março de 2016

Ouija



É um deus frio, um deus de sombras,
Sobe até ao copo vindo da sua negra profundidade.
À janela, esses não-nascidos, esses inacabados
Agregam com a débil palidez das traças,
Uma fosforescência invejosa nas suas asas.
Cinábrios, bronzes, cores do sol
No carvão o fogo não os irá consolar completamente.
Imaginem a sua funda fome, funda como as trevas
Pelo calor sanguíneo que os marcaria ou reclamaria.
A boca do copo chupa o calor sanguíneo das ponta dos meus dedos.
O velho deus baba, em resposta, as suas palavras.

O velho deus, também ele, escreve poesia áurea
Em modos baços, vagueando pelos restos,
Franco cronista de cada imunda decadência.
A idade, e anos de prosa, desenrolou
A sua conversa de redemoinho, mitigou o seu excessivo temperamento
Quando palavras, como gafanhotos, martelaram o ar a enegrecer
E deixaram as espigas a chocalhar, limpas até ao tutano.
Céus que uma vez vestiram um azul, de altura divinal
Desfiam sobre nós, descida enevoada,
Engrossando com pó, até a um casamento com a lama.

Ele louva a rainha carunchosa de cabelo de açafrão
Que tem afrodisíacos mais salgados
Que lágrimas de virgens. Essa devassa rainha da morte,
Os seus mensageiros vermiformes estão aos seus ossos.
Todavia ele louva sumos dela, fervente nectarina.
Eu vejo-o, de pele dura e resistente, traduzir
Seixos impiedosos que o arado revira
Como ponderáveis provas do seu amor.
Ele, como um deus, tremendo, soletra
Não sucinto como Gabriel destas cartas
Mas floreadamente, as suas nostalgias amorosas.

in Sylvia Plath, Crossing the water - transitional poems

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