sábado, 2 de janeiro de 2016

Últimas palavras


Eu não quero uma simples caixa, eu quero um sarcófago
Com listras tigradas, e um rosto no topo
Redondo como a lua, para espectar o cimo.
Eu quero olhar para elas quando vierem
Colher os estúpidos minerais, as raízes.
Estou a vê-las agora mesmo – as caras a anos-luz, pálidas.
Agora não são nada, nem sequer bebés ainda.
Imagino-as sem pais ou mães, como os primeiros deuses.
Perguntar-se-ão se fui importante.
Eu deveria cristalizar e preservar os meus dias como se fossem frutos!
O meu espelho está a enevoar-se –
Mais umas quantas expirações e refletirá coisa alguma.
As flores e os rostos embranquecidos como um lençol.

Eu não confio no espírito. Foge como vapor
Nos sonhos, pelos buracos da boca ou do olho. Não o consigo impedir.
Um dia não voltará. As coisas não são assim.
Elas ficam, os seus particulares lustres
Aquecidos por muito manuseamento. Quase ronronam.
Quando as solas dos meus pés arrefecerem,
O olho azul da minha turquesa consolar-me-á.
Deixem-me ter as minhas panelas de cobre, deixem os meus vasos de rouge
Florescer sobre mim como flores noctívagas, com um bom cheiro.
Eles enrolar-me-ão em ligaduras, arrumarão o meu coração
Debaixo dos meus pés num embrulho de bom gosto.
Quase não me reconhecerei. Estará escuro,
E o brilho destas pequenas coisas mais doce que o rosto de Ishtar.

in Sylvia Plath, Crossing the water - transitional poems

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